Sunday, June 17, 2007

Tens sonhos?

O tilintar da chave na fechadura que não abre. Teias de aranha que cobrem com o seu véu de noiva o recanto do olhar. Fios de tempo, segundos que se transformam em matéria. Mais um centímetro no cabelo, mais uma ruga no canto da boca. Bate; quem se sabe se abro? Se bateres com força, quem sabe se te ouço? Se insistires, quem sabe se não me levanto e vou até à porta? Espreito e espero em silêncio. Dizes-me o teu nome e deixas as chaves na fechadura. O silêncio. O peso do tempo. Se os meus ossos deixarem, eu estendo a mão até ti. Se o meu corpo permitir, sou gente no alvorecer. Se a minha alma quiser, abro as asas e fujo daqui. Prisioneira. Dessa porta que não abre, dessas teias que me cegam, desse nevoeiro de tule que nos faz duvidar.
Tarde demais. Se não estiveres, fui devagar. Os pés que se arrastaram pelo chão encerado. O meu reflexo turvo que desaparece à minha passagem. Magia. Pós de fada presos à pele. Tens sonhos? Vendo-te dois sonhos e uma utopia, em troca de uma dose de realidade negra. Os sonhos não têm prazo de validade, parece-me uma troca justa, e as utopias são sempre jovens. Consumo a tua dose de realidade em êxtase. Quero sentir os pés no chão. Quero acordar sem desespero. Tenho sonhos comigo para dar e vender. E sinto-a nas veias como um veneno dilacerante. E a realidade confunde-me as cores, e o mundo é negro e o meu corpo é vermelho. E, de repente, não tenho asas. E, de repente, sou só alguém. Perco-me nessas ruas iguais, nessa multidão desfigurada, em néons e ruídos. Escondo o sorriso e baixo a cabeça quando avanço. Posso fingir que está tudo bem enquanto a realidade me faz alucinar.

Monday, June 04, 2007

Cansada

Cansei das formalidades. Das frases feitas, o sorriso amável, as respostas politicamente correctas. Cansei das botas em dias de chuva e do casaco quando está frio. Cansei do "obrigada" quando não há nada a agradecer, do "desculpa" quando estou certa, do silêncio quando quero gritar. Estou cansada de aceitar os defeitos e perdoar os erros que me magoam. Cansada de pensar se estarei certa ou errada em vez de fazer o que me apetece. Estou cansada duma vida congelada em maneiras e hipocrisia. Cansada de regras de educação que me obrigam a ser simpática com aqueles que me julgam sempre na minha ausência.
Cansei da nossa relação perfeita à superfície. Cansei dos arranhões que escondo, das palavras que engulo, dos sorrisos de etiqueta. Dos apertos de mão formais, dos beijinhos que trazem veneno, das palavras deixadas a pairar para quem as quiser apanhar.
Quero gritar. Quero rasgar o véu dourado com que cubrimos as noites e deixar a podridão ao vento. Para que todos sejam forçados a vê-la e a reconheçam.
E, depois, cada sorriso será genuíno, cada palavra mais que educação, cada abraço um gesto sincero.