Andava em passos largos, não fosse a noite cair, de repente e sem aviso, e cobrir tudo de cinza. A gente nem sempre sabe quando está para chegar, empastando os nossos cabelos com nesgas de escuridão que escorrem para os olhos. Enfim, quase corria, demorando porém os pés nas pedras do chão. Tinha por elas um respeito imenso, quase religioso, calcando-as a medo, com as pontas dos pés. Dir-se-ia que saltitava, vista de trás. As índias velhas diriam que galopava, que procurava ser livre. Se lho dissessem ter-se-ia rido: "só procuro o caminho de casa, nada mais".
Ninguém em casa a esperava, na verdade. Só uma cadeira torta, uma perna mais curta, o forro rasgado. A cadeira da avó, coberta de pó (quanto tempo teria? 2 dias? 2 anos? 2 séculos?), um pó sagrado que vinha de quem lá se tinha sentado um dia. Talvez um historiador não resistisse a tocá-lo com as pontas dos dedos, levá-las à boca, beijá-lo, sentir na ponta da língua mil vidas passadas que se fundiam e confundiam ali, naquele pó. Mas era só a cadeira vazia, a cadeira da avó que era a do gato agora. A do gato surdo que ali afiava as unhas e se espantava sempre com o silêncio do tecido que se rasgava por debaixo das patas.
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