Há lugares que trago comigo como se fossem gente. Memórias de sítios onde rir foi tão fácil como respirar - se bem que respirar nem sempre é fácil. São lugares a que não volto nunca, lugares que existem apenas naquele momento exacto em que eu era aquela e o mundo era assim. Lugares que não podem mais existir a não ser aqui, dentro de mim. Lugares a que cantamos poemas, baixinho, como quem receia que partam, de repente. Lugares que espreitamos, só de vez em quando, só quando precisamos muito, para não os gastar. As memórias também se gastam, mudam-se, transformam-se: revisitadas vezes sem conta, deixam de ser memória e passam a ser sala, quarto, espaços que desarrumamos a nosso bel-prazer.
Esses lugares soam a água, ao correr rápido sobre cristal, gargalhadas cintilantes a perderem-se no espaço imenso da memória, a encherem o peito, tanto, tanto, que chega a doer. Sem poderem ser resgatadas nunca, ali apenas para nos salvarem da loucura quando o mundo parece querer deixar de girar sobre o seu eixo.
Viajar no tempo é isso. É o espreitar hesitante do que foi, voltar a sentir o cheiro da terra seca sob os pés miúdos, o alcatrão a fumegar ao longe, pegajoso, negro, o som da água que não podemos travar a correr, tão aguçado como um punhal a rasgar o ar. E voltar à sala, ao quarto, virar tudo do avesso, querer fazer da memória lugar e o lugar já não é, já não pode ser, e respirar não é tão fácil assim.
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