Queria dobrar mil grous. Fazer do sonho realidade. A lenda dizia que, ao dobrar o milésimo grou, o mundo lhe concederia um desejo. Dobrou cada um com o perfeccionismo de quem não ousa, sequer, um suspiro fora do lugar. Usou papel de revista, guardanapos, talões, o bilhete do cinema daquela primeira vez. No início, os dedos hesitavam, rígidos, sem ritmo, a cada dobra. Ao terceiro, ganharam folga. Ao vigésimo, dançavam. A partir daí, cada grou saía voando dos seus dedos como se tivesse vida própria, batendo asas.
Queria dobrar mil grous. Queria saber que era capaz e queria, no fundo, mais que tudo, aquele desejo.
E depois chegou a vida. Uma noite que pedia sono, uma manhã que era de trabalho. Deixou pouco mais de 30 grous dobrados, numa caixa de cartão. Dizia que era falta de tempo mas era mais que isso: era falta de esperança. Era o medo de chegar ao milésimo grou, vê-lo bater asas, e não ter o sonho.
Hoje, dobra os talões na carteira, direitos, como toda a gente.