Wednesday, April 16, 2008

Cinderela do mundo

Vá, eu confesso: há aqui qualquer coisa que mudou. E não foi a disposição das prateleiras nem a cor da colcha na cama. Fui eu. Euzinha, que de mim não enxergo mais do que os pés e as mãos, e costumo enfrentar o espelho de sobrancelha erguida, desconfiada: "mas quem és tu que és eu?" (são trocistas os espelhos, limitam-se a responder sempre o mesmo, no mais puro silêncio, e a repetir, ad infinitum, aquilo que lhes perguntamos...).
Às vezes queremos tanto mudar que, sem nos apercebermos, ficamos cada vez mais parecidos com nós mesmos. Outras, estamos tão distraídos, que a mudança acontece e pensamos que foi o mundo que mudou. Não, fomos nós. Não foram eles que deixaram de aparecer, foste tu que deixaste de lá ir... sim e mas... Não, o Sol não mudou de posição, foste tu que aprendeste a olhá-lo do ângulo exacto em que não te fere a vista.
E eu sei lá por onde começar. Se calhar por aquela manhã de Janeiro em que a aula não acabava nunca e eu tinha horas para... Não, foi mais cedo ainda. No Verão em que os dias foram tortuosamente longos e as noites assustadoramente calmas. Sim, foi aí.
E depois aquela manhã de Janeiro (sim, a tal) em que entrei na redacção com o estômago às voltas e escrevi a minha primeira peça. Para sair? Sim, para publicar. Quando? A emoção de espreitar as bancas à espera de 500 caracteres. 500 míseros caracteres com a pujança de uma edição inteira, com a importância de uma taça olímpica, lidos e relidos à exaustão. A revista trazida debaixo do braço, como um filho que protegemos da chuva: e voltamos a ler, em voz alta, primeiro a uns, depois a outros, sempre com a mesma emoção e excitação pueril na voz que se assemelha a soluços. (ai, a nossa, a tribo dos caracteres!)
E a primeira ida, menos de 3 semanas depois, à procura de um ar profissional que se desfaz na forma como olhamos, olhos grandes, olhos de mundo, olhos de quem dá nomes que ainda não foram inventados às coisas à nossa volta, olhos de quem nunca esteve ali, de quem nunca fez aquilo, e que tem sede de cada caracter de que se preenche o espaço.
Eu viajei, eu experimentei, eu voei de helicóptero, eu conduzi uma lancha no mar da Madeira, dormi em camas fofas de hotéis com pantufas macias e robes imaculados, eu comi pratos daqui e dali, conheci caras de cá e de lá, escutei as palavras simples, as meigas, as anónimas, as famosas, as duras, as prepotentes. E escrevi. Escrevi milhares, biliões de caracteres em busca dos sentidos das coisas que (vi)vi.
E compreendi que esta sede não acaba. Não é a inexperiência que nos dá olhos grandes, olhos de mundo. É a alegria de estar onde estamos, com quem estamos, nesse momento exacto. E é essa ânsia de contar a todos, com 500, 1000, 15000 caracteres, tudo aquilo que vivemos.
É por isso que sei que mudei. Agora, sou Cinderela do mundo: o meu lugar é aqui e ali, onde quer que o pé encaixe...

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