Thursday, December 23, 2010

Habituem-se

Se voltasse atrás, não tirava comunicação. Pelo menos é nisso que gosto de acreditar. Tinha estudado qualquer coisa com números e símbolos e com um título pomposo cheio de termos desconhecidos que desse um ar importante e um lindo diploma. Tinha estudado para construir vaivéns espaciais, para descobrir civilizações perdidas, para curar a sida ou desenhar uma máquina capaz de fazer chover caramelo.

O jornalista, no geral, é desdenhado. Tirou um cursinho onde aprende a escrever. Como se escrever não tivéssemos todos de saber! É juntar umas letras, colar umas sílabas, um corte e costura de palavras e já está. Ninguém – ou quase ninguém – quer saber se o jornalista estudou semiótica, pragmática, sistémica, cultura pré-pós e moderna, tecnologias da informação, lógica, sociologia, filosofia, história da imagem. Para a maioria do mundo, o jornalista é um caso menor, produto de jovens sem grandes talentos que investiram uns anos na faculdade para poderem dizer que têm um curso. “Jornalismo podes sempre fazer na mesma, mas tira outro curso”, ouvi tantas vezes pais preocupados dizerem aos filhos. E eu entendo – sou a primeira a dizer à minha filha, futura professora de dança/jornalista, que fuja, depressa, que isto se agarra e cola e cansa e esmaga e vicia e um dia, sem a pessoa dar por isso, já se infiltrou no corpo e não conseguimos deixar esta vida mal paga, mal vista e estupidamente recompensadora quando finalmente vemos chegar à banca, em papel brilhante e perfeito, os caracteres que nos custaram o suor, as lágrimas e, por vezes literalmente, o sangue.

Mas, pais, lamento dizer-vos, jornalismo não é uma coisinha que se faça assim porque achávamos piada ao Clark Kent e à Lois Lane quando éramos pequeninos. Isto nem sempre se escolhe – muitas vezes, escolhe-nos a nós. Eu nunca quis isto e passados 3 anos ainda aqui ando, a lamentar-me, a queixar-me que desta é que é, vou-me deixar disto, desta vida sem certezas, como uma drogada agarrada demais para conseguir largar o vício. O jornalismo é um vício de curiosos: a nossa vida é estudar o mundo, os outros, pegar nessa confusão de informação, descodificá-la e recodificá-la novamente. Num dia sabemos tudo o que há para saber sobre os deuses hindus, no outro andamos a devorar artigos de neurologia. É isto que nos dá “pica” e que, no fim de contas, nos faz voltar ao computador depois de cada fecho.

No fim do ano, quase a completar 3 anos disto, gosto de pensar que se calhar, se voltasse atrás, não tinha tirado comunicação. Que isto foi um erro de percurso e que, mais tarde ou mais cedo, acabo por fazer uma coisa de nome pomposo, um emprego a exigir farda e saltos altos e óculos de massa, um salário gordo ao fim do mês com horários fixos e uma data de privilégios assegurados. Mas, até lá, só funciono com a adrenalina do caracteres a correr dentro de mim. A juntar estas sílabas. Sou jornalista. Habituem-se.

2 comments:

Ale said...

Teoria do Texto. esqueceste essa. e olha q tem palavras bem pomposas como evenemencialidade e mise an abyme. mas n , ninguém quer saber disso para nada..
deixa lá, eu tenho mt orgulho em que tu sejas jornalista!
bjo****

i said...

gostei! :)