Debaixo da cama não há fantasmas. E, ainda assim, hesito antes de espreitar, uma fracção de segundo em que o coração pára de bombear vida e se cala para não perturbar o mundo dos mortos.
Debaixo da cama há o pó, as canetas que rebolaram, ligeiras, até à parede mais afastada, os arranhões que o aspirador não teve pudor em fazer na madeira brilhante.
Espreito. Devagar, não vão eles fugir. A mão que levanta a colcha como se abrisse a cortina para um outro mundo, púrpura e silencioso. Os olhos habituam-se à escuridão que reina ali, debaixo da cama, onde tudo é possível. Por momentos... Não.
Debaixo da cama há pó, canetas, arranhões, o bilhete de comboio que caiu do bolso das calças. Mas poderia jurar que, antes dos meus olhos se habituarem ao escuro, vi dezenas de formas, centenas de rostos, milhares de gestos. Antes dos meus olhos se habituarem à luz do nosso mundo, que nos cega e ampara, nos acalma o espírito e nos tranquiliza os medos com ciências exactas...
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