Friday, November 23, 2007

Matrioskas

Poucas foram as vezes em que deixei que o raciocínio inerente à escrita me embalasse os dedos ao ponto de deixar aqui mais do que queria. Algumas vezes, desejei fazê-lo. Escrever duas ou três frases que estão entaladas naquele espacinho milimétrico entre as teclas, despejá-las de uma vez.

Mas eu não sou assim. Não fiz do meu blog diário íntimo, poço de desejos, fim do arco-íris repleto de promessas. Não, eu não sou assim. Por vezes deixei que as emoções flutuassem no ecrã um pouco acima da superfície do que não digo, mas nunca as ensinei a nadar por entre estas linhas.

E compreendo quem o faz. Quem sente esse impulso, essa vontade, e cede à sedução de um espaço só seu que aguarda, pulsando, intermitente, as próximas letras.

Pergunto-me porque não o faço. Sou boa a brincar de escrever. Sou boa a arranjar parvoíces para dizer, a ocupar espaços com arabescos sem sentido que raramente conduzem ao caminho certo para me descobrir. Preservo-me e guardo-me. Cubro-me e tapo-me. Talvez assim "os maus" nunca me possam achar. Pesa um silêncio absoluto do eu em muito do que digo. Não é que não esteja lá, mas tapo a boca com as mãos, constantemente.

Sobrevalorizo as palavras, contemplo-as como a criança que tem de "ver com as mãos", a boca aberta de espanto, os olhos fixos nos pormenores dourados duma porta antiga. Onde leva? Remexo nessa caixa de puzzles de letras que monto e desmonto, mas nunca monto o meu.

O meu é meu. As coisas verdadeiramente nossas podem ser eternas se as soubermos preservar. Acho que é nisso que acredito, quando recorro ao "back space": há riscos demasiado grandes.

Gosto de segredos. Gosto das matrioskas cujo fim não se descobre nunca: e se aquela última boneca, ínfima na minha mão, se pudesse abrir, o que encontraria dentro dela? Se se pudesse abrir e deixasse à vista apenas o vazio, então talvez abandonasse o seu corpo oco e desarticulado num canto e seguisse para a janela, para descobrir as feridas que os relâmpagos abrem no céu. Feridas efémeras, mais rápidas que o olhar, porque quando tento compreendê-las, já não as vejo. Para sempre, nelas, um segredo que os livros de ciência não podem descodificar com fórmulas: há coisas que não se explicam, sentem-se.

Há coisas que não se dizem, vivem-se. E há palavras que gosto de guardar só para mim, como a boneca que não se abre nunca.

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