Acordei.
- Mãe, já está a ficar de noite? - pergunta-me uma filha que exige nestum de mel o mais depressa possível.
- Não, está mau tempo, só...
O humor começa assim, cinzento como o tempo. Os pés vão-se arrastando pelas divisões enquanto faço, mais uma vez, todas as operações mecânicas que cada manhã exige.
Dada minha cabeça, treinada no tempo em que Outono era Outono, Inverno era Inverno, e por aí em diante, sem mistos de 4 estações num dia só, pensei que o melhor seria mesmo levar as minhas botas de pêlo, também conhecidas como "Os Mamutes"...
Mas esqueci-me que a minha cabeça de 22 anos já está mais que ultrapassada, que o meu senso comum começa a passar do prazo, e que mais dia menos dia vou ser surpreendida pela palavra "cota" na boca de alguma amiguinha da minha piquena quando lhe perguntar pelo Noddy.
Chego à estação mesmo a tempo de ver partir o meu comboio. Que saía ás 13h08. Onde cheguei às 13h09. E o próximo comboio? Às 13h24. Quero atirar um caixote do lixo às malditas carruagens que se afastam mas o sr polícia está a olhar para mim com uma cara estranha e só depois percebo porquê. É que do escuro fez-se luz, do frio nasceu calor, e estou debaixo de um sol abrasador com botas de pêlo. E assim fico durante 16 minutos, sentada num banquinho, a amaldiçoar cada pêlo daquelas botas que decidi calçar e que agora queria atirar para a linha de comboio e vê-las serem esborrachadas pelo pouca-terra em fúria.
Finalmente, novo comboio, lugar sentado, está mais fresco lá dentro, tudo parece compôr-se. Levanto os olhos do livro que estou a ler, pronta a olhar o céu azul e sorrir-lhe em resposta, quando... sim, há um dilúvio.
Porque eu reclamei das botas. Porque não tenho guarda-chuva nem casaco nem porra nenhuma, mas tenho botas e por isso devia estar feliz porque calcei os meus mamutes portáteis e o sr lá das nuvens quis fazer-me sentir mais apropriada. Obrigadinha pah!
Tudo bem, enfio-me no metro a correr, estações que não acabam.
Lá está, "The postman always rings twice": sim, a Giovanna USA engravida e sim morre... num acidente de carro! E claro, os filmes eram baseados na mesma obra. Bem me pareciam coincidências a mais! Mas eu sou uma miúda que até acredita em coincidências..
Saio da faculdade e regresso ao metro onde começo a ser atacada ferozmente por uma velhinha. Mas eu quero dizer FEROZMENTE mesmo, com cotoveladas mesmo nas costelas, capazes de parar a respiração a um homem dos grandes. Sou atirada quase pelos ares para cima dum banco e olho para trás, onde a senhora de cabelos brancos me sorri "desculpe"... Eu rio-me, incrédula, mas passar-lhe ali uma rasteira não ficava bem e decido esperar até à próxima paragem. Mas antes que possa tomar qualquer medida surge a velhinha ninja número dois, desta vez empurrando-me para a saída, com as suas peles pendentes dos braços a girarem à minha volta como hélices devastadoras. Desisto. Elas são muitas.
Finalmente chego ao comboio. Depois de cargas de porrada, chuva intensa, calor abrasador, esperas intermináveis e mais uma hora de dramas a preto e branco, estou viva! Sim, estou viva!
Às vezes não são os dias melhores que nos deixam mais alegres. Às vezes são estes dias, em que tudo corre mal, em que tudo parece planeado ao milímetro para nos lixar a vida, que nos fazem sentir vivos, que nos dão vontade de atirar a cabeça para trás e rir às gargalhadas até nos doer a barriga e nos arderem os olhos das lágrimas do riso.
Nestes dias, em que o mundo me prega partidas e eu me molho com a chuva que cai dos telhados, em que os sapatos exigem ficar desapertados e o senhor das lotarias nacionais que não sei quando andam à roda tem vontade de nos gritar aos ouvidos, quero gritar-lhe de volta: LA VITA È BELLAAAAAAAAA!
1 comment:
Eu ri-me às gargalhadas desde o Nestum com mel. Chorei na parte em que te imaginava com cara de tacho a ser chamada de "cota" pelas amigas da Didi e amanhã ainda me vão doer os abdominais à pala das velhotas ninja! Ai amiga que saudades!! Qd voltar, que é já este fds, vamos as duas passear com os nossos mamutes, boa?
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