Tuesday, January 15, 2008

Pouco normal

Existem algumas pessoas que, sem razão aparente, cruzam as nossas vidas. Aqueles com quem apanhamos o comboio ou por quem passamos na rua quase todos os dias. Anónimos muitas vezes mais familiares do que muitos conhecidos, reconhecemos-lhes os traços, aprendemos-lhes os nomes, descobrimos-lhes histórias por entres frases soltas. Como o Zé Mário. O rapaz de 29 anos, barba por fazer, que reclama da vida em voz alta quando vai no metro. Que fez o curso de informática e não lhe deram emprego: "os jovens precisam de emprego!", grita enquanto bate com a mão no vidro, revoltado. O Zé Mário tem uma doença, é óbvio, mas talvez isso o torne mais lúcido. Não engole a revolta, não cala a mágoa, não recalca o desespero. Ao contrário de nós, de lábios cerrados e testa franzida, o Zé Mário diz o que pensa, o que muitos de nós pensam, e faz rir alguns, mais jovens, e tremer outras, mais velhinhas.
"Mas que porcaria é esta?!", inquiria a plenos pulmões há uns poucos dias. E as velhinhas afastavam-se dele, chapéus-de-chuva na mão não fosse ele passar-se e saltar para cima delas. É que, infelizmente, hoje já não se diz o que se pensa. Hoje o normal é calar, aturar, deprimir, recalcar, envelhecer, amargurar. E é por ser tão fora do normal que o Zé Mário se tornou especial.

Monday, January 07, 2008

tudo isso eu serei

Todos esses sonhos que tenho guardados na gaveta, eu serei. Mesmo os de gaivota, conquistarei. Mesmo os de sereia, poderei. Na pérola onde as ostras têm o futuro, eu posso ver. Não tenho medo porque é assim. Quem sonha sempre pode sempre. Fim.

Agonia

Do tudo e do nada. Agonia da primeira entrevista, do primeiro contacto, das primeiras palavras. Agonia da hora de entrar e da hora de sair. Agonia que se prolonga pelo dia e que se vai esbatendo com o passar dar horas. Agonia de chegar sempre atrasada, que morre quando dizem que os jornalistas são, por norma, pessoas atrasadas (horariamente, como fiz questão de frisar cá em casa, justificando uma vida inteira de atrasos. Justificação essa recebida com a mesma incredulidade que provocaram as minhas descobertas sobre ser uma criança índigo - com problemas em cumprir horários - e ter o hemisfério esquerdo do cérebro mais desenvolvido - algo que também ajuda aos atrasos).
Passa a agonia e o gosto vai saltitando por entre os momentos de hesitação e gestos que se tornam hábitos. Dar o nome à entrada, lutar contra o rato (do pc), recusar os 30 000 panfletos que me tentam entregar pelo caminho, evitar a piscina que se cria ali, mesmo ao pé da minha secretária. Tudo isso vai se inscrevendo na pele como micro-tatuagem que não se vê.
- Achas que tenho ar de jornalista?
Ao que parece, os jornalistas não têm "ar". Têm caras e bocas como toda a gente e cabelos que se despenteiam e rímel que escorre quando chove e chapéus de chuva que reviram ao vento. Dizem eles, que não percebem nada disto.

Friday, January 04, 2008

desejos

Talvez dia 5 seja algo tarde para revelar os meus desejos para 2008. Ou talvez não. Acredito que, enquanto houver vida, nunca é tarde demais. Quero fugir a clichés e evitar os desejos de sempre. Esse é um dos meus desejos. Quero ser feliz com o que tenho, sempre com a ambição de ir mais além. Quero saber desfrutar de cada momento, por irrisório que pareça, como sendo único, pois é isso, que de facto, cada momento é. Quero que a minha filha seja uma criança de verdade, daquelas que sonham e conseguem construir castelos que voam, e fadas que respiram debaixo de água e mundos onde as pessoas comem algodão doce de manhã à noite, porque essa é a base da felicidade. Quero que as pessoas importantes para mim se sintam especiais, únicas e verdadeiramente essenciais na minha vida. Quero conseguir sorrir depois de um dia desgraçado e gritar: SOBREVIVI quando chegar a casa. Quero acabar a licenciatura e partir à descoberta da vida fora das paredes de um auditório. Quero experimentar o mundo, provar coisas novas, dançar a rumba, a salsa, o flamenco e rir até me doer a barriga.
No fundo, no fundo, quero ser feliz. Não é o que queremos todos?

Thursday, January 03, 2008

Dominar o mundo

Desde as 00h de 2008 que não conseguia parar de pensar em entrar com o pé direito. Infelizmente, também não conseguia para de me esquecer disso, resultando desta equação uma frustração incrível e suspeitas de Alzheimer prematuro. Hoje convenci-me de que, finalmentre, entraria com o pé direito. E cruzando a porta da redacção onde me estreei hoje como estagiária, dei um pulinho apoiada no pé direito, fazendo uma entrada que podia ter corrido mal caso o chão estivesse molhado, mas que me deu confiança para o ano inteiro. Entre beijinhos e apresentações, lá me fui apercebendo de como as coisas funcionam. Apercebi-me de que, se não levar um rato novo para a redacção muito em breve, vou acabar hospitalizada numa ala psiquiátrica. Apercebi-me, à medida que ia ouvindo conversas, que isto de ser jornalista de viagens tem os seus benefícios tais como massagens, noites e refeições totalmente à borlix. Também me apercebi, infelizmente, que os estagiários não devem desfrutar de todos esses benefícios, mas, enfim, quantos estagiários escrevem notícias logo no primeiro dia? Poucos, asseguro-vos. A maioria dos que conheci corrigia os textos dos outros. Por isso, estou contente. Como disse a uma amiga, saí da redacção com a sensação: "Ah! Sou jornalista e vou dominar o mundo!". Uma sensação que neste momento se assemelha a uma dor de cabeça pelas horas prolongadas em frente a um ecrã saído da Idade Média. Mas enfim, amanhã lá volto eu. E de rato novo na mala.