Wednesday, July 11, 2007

As meninas bem comportadas

Havia, na minha infância (mas há quanto tempo é que isso foi? Bolas, parecem-me séculos e ao mesmo tempo o dia de ontem) um livro que se chamava "As meninas bem comportadas" ou as meninas qualquer coisa boa.
Estas meninas faziam asneiras mas no fim aprendiam a lição. Caíam ao lago, levavam estranhos para casa (que, claro, eram sempre pessoas de boas famílias e portanto nunca as raptavam), andavam ao estaladão... enfim!
O que me levou a recordar hoje, passados tantos anos, essas meninas e as suas peripécias? A conclusão de que as meninas bem comportadas eram, na verdade, meninas mal comportadas que aprendiam com os seus erros. E que, afinal, a autora daquele livro foi a origem de todo o meu mau comportamento que, na verdade, era só bom comportamento camuflado! E mais: quem me comprou o livro foram os meus pais, fonte, portanto, de qualquer asneira por eles repreendida.
Mas o mais importante de tudo? Confirma-se a regra: "As meninas boas vão para o céu. As más... para todo o lado!". É que aquelas pestinhas andavam sempre em festas chiques em salões, grandes passeios de coche, vestidos com lacinhos da última moda. E afinal, o que fazia as meninas boazinhas não era não fazerem asneiras mas o facto de aprenderem sempre uma lição com os seus erros.
Assim, as meninas boazinhas não são as que não saltam nas poças para não molhar as meias. São as que saltam, ficam encharcadas, constipam-se e depois aprendem. E pronto, é verdade que às vezes não aprendem à primeira, mas um dia vão aprender!

PS- é verdade, eu ainda salto nas poças...

Monday, July 09, 2007

A revolta do meu teclado

O meu portátil foi des-ene-ado, como em desmembrado, só que perdeu a tecla N. Foi um momento negro quando, pequenina, ela se soltou do imenso teclado e partiu, aventureira, em busca de novos caminhos. Queria Nuvens, Notas de música, Novelos desembaraçados... Pedi-lhe "fica!", esmaguei-a contra o seu espaço vazio, e ela, insistente "Não!Não!" e escapava-se sempre, por entre os meus dedos.
Pesadelo do bloguista, cronista, experiência de escritor, isto de teclar no espaço vazio onde se estica o corpo decepado do botão de borracha.
Esqueçamos a tecla N e o seu capricho de aventura. Esqueçamos que se encontra nalgum fundo de gaveta onde aguarda o momento em que será, novamente, presa ao seu teclado por alguém mais credenciado que eu. Quando os objectos ainda se encontram dentro da garantia, é melhor não mexer, avisaram-me. Larga o tubo de cola tudo, e deixa esse martelo onde estava. Está bem, deixemos o meu N vaguear nos sonhos, acreditar que é livre no fundo da sua gaveta, pensar, talvez, que está já em viagem, a caminho de algum sítio melhor.
Cansou-se de levar porrada, até entendo. Vida difícil esta de tecla, eternamente espancada pelos dedos pesados de alguém que se lembrou que queria escrever. O "G" também já não me responde bem. Tenho de o forçar, para que me responda. Em vez de fugir, remeteu-se ao silêncio. Carrego nele repetidamente até que cede. O meu G quer Gotas de chuva, Gritos no telhado, Grinaldas de flores e Gomas de banana.
Aos poucos elas vão-se revoltando, e, pelo sim pelo não, conservo o papel e a caneta para um desses dias sem nome.

Saturday, July 07, 2007

Universos paralelos

O melhor de ir de férias nem é o sol, nem a praia, nem a piscina... Não, o melhor de ir de férias é entrar nesse universo paralelo em que todos os nossos problemas desaparecem. Os nomes são os mesmos, o aspecto é o mesmo, ainda que um bocadinho mais moreno, mas as vidas confundem-se. Deixamos as preocupações para trás, o trabalho que é preciso entregar, a nota que aguardamos daquela frequência que nos correu pessimamente, o corre-corre de cá para lá, a hora do almoço que ainda não está feito, aquela pessoa que sabemos que mente mas a quem continuamos a sorrir para evitar conflitos. Tudo desaparece. Tudo se esgota quando estamos longe, quando o que importa é apanhar o sol de frente e rir o mais que conseguirmos. Deixamos o telemóvel em casa e, por momentos, esquecemos que há gente para além daqueles que estendem a toalha à nossa volta, que há mundo do outro lado do muro que separa a nossa piscina do resto...

E no último dia de férias recebo aquela mensagem que me diz que mesmo sem saber o que dizia o Código de Hamurabi fiz bem em inventar porque tive 14 a teoria política e portanto não há exame para o qual estudar. E no dia em que chego faço o trabalho que é para entregar no dia seguinte e está tudo pronto a tempo. E ignoro aqueles que não são o que parecem porque a vida é mesmo assim, e quando estamos de férias tudo fica mais claro e percebemos que o importante mesmo são as pessoas que conhecemos e que estão lá para nós.


Sesimbra.... vamos voltar?

Sunday, July 01, 2007

Fantoches

Talvez as pazes mais difíceis sejam aquelas que fazemos connosco. Sim, talvez seja dentro de nós que se situa o reino onde é mais difícil alcançar a paz. Porque sabemos tudo, vemos tudo, somos tudo. Porque ao errarmos nos magoamos a nós, porque ao magoarmo-nos só nos podemos odiar a nós, e odiando-nos não aceitamos uma trégua com o nosso eu.
Cá dentro, somos um mundo em conflito. Um mundo que possui as armas mais poderosas de sempre, com capacidade de nos destruir por dentro. Haverá pior forma de destruição, que o corpo vazio, condenado à existência aparente, à dor da ausência, à ausência de dor?
O difícil não é perdoar os outros, é perdoarmo-nos. Nós, fantoches de prazer, sempre empenhados em fazer com que os outros nos aprovem, com que os outros nos valorizem. Demasiado empenhados para que nos lembremos de nos aprovarmos primeiro. Personalidades difusas, perdidas, vagueantes e inconscientes de si.
Para fazer a paz comigo, corto os fios que me conduzem. Solto-me do emaranhado de risos e sorrisos, palavras simpáticas e amáveis. Descoso a língua que trago presa, rasgo os pedaços de tecido colorido e brilhante, a flanela confortável, a seda macia.
Deixo esse palco de luzes e música, os espectadores que não sabem que todos eles se encontram, como eu, presos aos fios, os gestos medidos, as palavras planeadas.
Faço a paz comigo. Faço a paz com o mundo. E perdoo os fantoches que sem o saberem encenam mais um acto no palco da vida e me arranham com os seus fios que balançam ininterruptos.

Os meus heróis

Na infância, os nossos pais são os nossos heróis. Os meus pais sabiam tudo, podiam tudo. O meu pai tinha força suficiente para me carregar nos ombros, ensinou-me a ver a ursa maior nas estrelas, fazia da história um conto fantástico. A minha mãe dava vida aos sonhos, brincava sentada connosco, ríamos até nos doer a barriga, tinha sempre a solução para os nossos problemas.
Na adolescência, os nosso pais são o diabo vestido. Não sabem nada, só querem o nosso mal, parecem empenhados em destruir qualquer vestígio de vida social que tenhamos.
E, de repente, crescemos. E os nossos pais são os nossos heróis outra vez. Mesmo sem saberem tudo, mesmo sem terem a solução para qualquer problema. Porque não haverá nunca ninguém que nos ame tão incondicionalmente, que nos coloque em primeiro lugar, que mova montanhas para sermos felizes. Os meus pais são os meus heróis. Por tudo o que fazem, por tudo o que dizem, mesmo quando não concordo com eles. Por se levantarem todos os dias de manhã para irem trabalhar, mesmo cansados, para nos poderem dar tudo o que precisamos. Por receberem tantas vezes a ingratidão e estarem sempre de braços abertos para me receber a mim. Por aceitarem que somos diferentes e nunca me terem imposto um caminho. Por me permitirem que cometa os meus erros, mesmo com medo que me magoe. Por quererem, pura e simplesmente, que eu seja feliz.
Os maiores heróis não são os de ferro, os imbatíveis, os insensíveis. Os maiores heróis são os de carne e osso, que sofrem, que choram, que sangram, que têm medo, e que, mesmo assim, fazem tudo por nós.