Monday, June 16, 2008

Hoje

Hoje pedi pela primeira vez um carro de aluguer completamente sozinha.
Hoje discuti o meu primeiro salário, que não chegou à conta porque andava perdido por ai numa realidade virtual qualquer...
Hoje saí de casa de sandálias e voltei a correr para calçar botas porque estava a chover. Quando cheguei à redacção estava sol.
Hoje sentei-me na esplanada à espera da minha amiga Inês para almoçar e congratulei-me por conseguir guardar um lugar tão disputado. Quando acendi um cigarro começou a chover.
Hoje raptei a ventoinha do editor e deixei que as duas hélices tipo saco de plástico fingissem que me arrefeciam.
Hoje descobri que o meu Banco pensa que sou menor, apesar de ter feito os 18 há mais de 5 anos. Além disso, também parecem pensar que sou um homem, visto que me dão sempre o título de Senhor.
Hoje liguei a uma amiga só para saber se ela estava bem e para ouvir uma voz familiar que me dissesse que sim, que está tudo bem.
Hoje fiz as palavras-cruzadas e descobri que Escavar não é Cavar: é Minar.
Hoje ouvi Svensson, o músico sueco que morreu a fazer mergulho, e pensei que às vezes morremos da forma mais inesperada. Sempre.
Hoje escrevi duas vezes no blog, o que não acontecia há meses.
Hoje olhei muitas vezes para o desenho da minha filha, ao lado do computador, em que tenho pernas que parecem chouriços e seguro um balão com um coração: pensei que as crianças são os seres mais perspicazes do mundo.
Hoje combinei as minhas primeiras férias de trabalhadora e reservei a minha primeira quinzena de liberdade: soube a mundo de crescidos.
Hoje respeitei o meu direito ao silêncio quando me apeteceu gritar e isso fez-me sorrir.
Hoje foi só mais um dia. Imaginei o que poderia escrever de uma vida inteira. Isso fez-me feliz.

Apesar de tudo

Apesar de tudo, há um sorriso quando a FCSH vem à conversa.

Seja com antigos colegas, recordando nomes sonantes que começam por M e acabam em ão (e pelo meio têm -our), ou ainda aquele que tinha nome de vila...
Seja com os senhores da central de táxis que se riem quando dizemos Faculdade de ciências sociais e humanas e dizem: "Ah, a novaaaa!" (o que é um pouco assustador, na verdade).
Seja com outros jornalistas, saídos das primeiras fornadas de licenciados em CC, que recordam semiótica com um sorriso que prova que não tiveram o prof que começa em M e acaba em ão (e que tem o tal -our a meio).

Críticas e censuras à parte, somos da Nova. Somos, para sempre, dessa universidade em que há uma população imensa de góticos e dreads que partilha o espaço da esplanada, em que há shows de reaggae espontâneos e mitos urbanos sobre alunos em pânico que se atiram das escadas (vá, confesso, este último foi mesmo criado por mim). Somos dessa "casa" em que os elevadores funcionam mal e quando funcionam às vezes param e deixam 20 pessoas do sexo feminino à beira de um ataque de claustrofobia à medida que se vão apercebendo que ninguém as vem salvar. Esse sítio onde as baguetes são sempre alternativa à cantina dos ricos e à dos pobres. Dizem que somos esquisitos (quantas vezes a frase, dita por alguém que me acompanhava à faculdade: "bem, a tua faculdade tem bué pessoal esquisito!") e nós encolhemos os ombros e sorrimos. Há a casa das cópias, as casas de banho de tectos inclinados e sem luz, os horários remexidos 50 vezes antes, a meio e depois das inscrições no início do ano lectivo, uns galos (sim, os animais, maridos das galinhas, pais dos pintinhos...) que nunca cheguei a ver mas que me garantiram que existem, de facto. Nós somos isso tudo, sim. Somos os tais que levaram com semiótica, pragmática e outras disciplinas com nomes de código e que superaram tudo isso.

É por isso que podemos dizer mal dela. Não é assim que funcionam as famílias? Nós podemos acusar, criticar, apontar o dedo. E se os outros decidirem atacá-la talvez alguns de nós se levantem em sua defesa.

Apesar de tudo (e este tudo é tão grandeeee).

"É orgia, é bacanal
é comuni-
é comunicação social"

Sunday, June 15, 2008

Ela

É mais fácil escrever sobre personagens imaginárias que sobre nós próprios. Os seus actos nunca vão além do papel, as suas palavras não podem extravasar a tinta de que são feitas, mesmo quando ressoam dentro do leitor que se esforça por lhes descobrir o ritmo certo, o sotaque adequado, a forma como os lábios terão pronunciado aquele último som. As personagens nunca morrem: adormecem para acordar, vezes sem conta, na memória de quem as conheceu. Ressuscitam de cada vez que alguém abre a primeira página do livro e lê: "Ele não sabia ler, nem escrever, mas aprendera que as coisas tinham nomes e que os nomes eram das coisas". É por isso que a minha vida está cheia de eles e elas, os e as, aquele e aquela. Ela sabe, sente e atormenta-se. Ela vive e a sua energia está espalhada em cada letra da sua (tua? minha?) fisionomia.

Não costumo chorar com os livros. Era a melhor forma de começar, mas seria mentira.

Ela não costuma chorar com os livros. Eles choram-na a ela, deitam-lhe lágrimas grossas sobre o rosto, carregam-lhe a garganta de alguns soluços. É raro, mas quando acontece ela deixa que eles a chorem toda, de uma vez, com o ar a atropelar-se entre os lábios e olhos turvos que impedem que veja a próxima palavra. Esforça-se por voltar a ver, ler, ser. Esforça-se por compreender. Abana a cabeça e suspira. Termina num só sopro: em vez de ler, devora. Come as palavras depressa e, tal como acontece com o comum guloso, sente-se mal disposta a seguir. Há um vazio feito de imensidão dentro dela, sente-se cheia de palavras, há letras que se acotovelam e sons que se sobrepõem como garras de metal. Emoções que se esmagam (do sim e do não, do bom e do mau), um medo que consegue filtrar os sonhos e que atormenta o sono.
Quando um livro é realmente bom, ela sabe que ele viverá para sempre num cantinho do seu ser. Que há frases sublinhadas que vai querer tatuar na pele, embora nunca o venha a fazer. Que há expressões que vai querer saborear todas as manhãs e outras que por mais que tente nunca a deixarão em paz. Que há um descompasso no coração que se deve a cada palavra que decorou, a cada personagem que amou e a cada descrição que foi capaz de ver com os olhos fechados.

Ela não costuma chorar com os livros. Eu sim.

Friday, June 13, 2008

O Sexo, a Cidade e a Aldeia (sim, as aldeãs também têm direito à vida)

Era completamente necessário. Absolutamente indispensável. Totalmente essencial. Ver “O Sexo e a Cidade” no dia seguinte à estreia era mais que uma forma de passar um bom momento: era uma questão de honra para quem cresceu a ver as quatro New York chicks (agora mais crescidinhas) desde a primeiríssima série.A geração dos 20 e poucos, a nossa, tem uma relação engraçada com elas. Suponho que a dos 40 também: afinal, cresceram juntas, lá foram aprendendo juntas e juntas descobriram pecados com nomes próprios – Jimmy Choo, Manolo, Prada...Nós, as dos 20 e picos, começámos a ver “Sex and the City” quando ainda não sabíamos o que era um nem o outro. Tudo era absolutamente encantador: a Carrie a assobiar para os táxis, os Cosmos que acompanhavam os detalhes mais sórdidos, a ingenuidade da Charlotte, quase tão grande como a nossa, as lágrimas, e lágrimas e lágrimas que se seguiam a cada ruptura com o Mr. Big...Sentámo-nos, armadas de pipocas e garrafas de água. O momento pedia sapatos de salto alto, agora que já temos idade para tal, micro-vestidos e talvez os famosíssimos Cosmos para acompanhar. Limitámo-nos aos jeans, tops, casaquinhos de malha... estamos em Oeiras e NY fica a alguns quilómetros (uns poucos...) de distância. Rimos, aguentámos as lágrimas, aceitámos o final mais que previsto: como não? Poderia acabar doutra forma?A pergunta, mais que típica, paira no ar: afinal, qual das protagonistas do Sexo e a Cidade é mais parecida connosco? Não haverá um bocadinho de todas elas em todas nós? Mas claro que sim! Só que há sempre uma que nos diz mais e fazendo a prova dos nove, tal como a Ale (www.l-d-v.blogspot.com), havia que tirar as dúvidas. Um quizz na net era a prova irrefutável (afinal, haverá algo mais científico e objectivo?): “your answers peg you as a Carrie-type, much influenced by the Air Sign qualities, associated with Gemini...”- e não é que até no meu signo acertaram?

Wednesday, June 04, 2008

A minha vida dava um filme indiano

Ok, talvez um indiano não, porque geralmente há sempre pessoas a dançar nesses filmes, com o taj mahal como pano de fundo, e tudo o que eu poderia oferecer eram bailaricos com o areeiro ao fundo e drogados a cruzarem as ruas a venderem pensos e lenços de papel.
Se calhar a minha vida dava mesmo era um musical: cantoria não falta, no carro, ao pc, mesmo durante a hora de almoço, indo contra todas e quaisquer regras de etiqueta!
No fundo, no fundo, eu acho mesmo é que a minha vida dava um drama. Ou uma comédia. Porque perder os documentos do carro no dia em que os recebi é mau. Ser parada pela polícia pela primeira vez em 4 anos precisamente nesse dia é pior ainda. Mas ser parada pela segunda vez (em quatro anos, não se esqueçam), e apanharem-me a falar através de aparelho sonoro durante o momento de condução do veículo... isso é VOODOO! Começo a considerar, seriamente, consultar uma bruxa, uma vidente, alguém com ligações místicas e poderosas a esse mundo do invisível.
E eu pergunto, no topo da minha pureza, quem me poderia desejar mal?...