Saturday, November 21, 2009

Nós fomos!!

Faltavam 40 minutos, mas já íamos trocando uns palpites no carro, enquanto percorríamos os 5 kms que nos separavam do nosso destino. A chegada dos convites, dias antes, tinha motivado MMS que nunca chegaram a ser entregues (e um telemóvel que não seja da pré-história, quirida?), SMS cheios de "lol"s e muito blablabla no café, seguido de risinhos e "aiai"s adolescentes e ligeiramente preocupantes.
Afinal, feliz ou infelizmente, não éramos as únicas pessoas a tender para a paixão ridícula por uma personagem fictícia que ainda por cima é um vampiro, naquela noite. Uma centena de pessoas esperava, de convite para a ante-estreia na mão, a abertura das portas que nos conduziriam ao aguardadíssimo, esperadíssimo, desejadíssimo, primeiro frame de "Lua Nova".
Os posters no balcão voavam, como acontece, aliás, com tudo o que é dado de graça ao português, pelo que me agarrei logo a dois, enquanto tentava equilibrar um pacote de pipocas salgadas, um ice tea, a carteira, o cartão zon e o BI nas minhas duas, muito insuficientes, mãos.
"Trouxe-te um poster!"
"Amigaaaaa!" - nada como um poster gratuito para fazer a amiga rabugenta que ficou à espera na fila ganhar um sorriso de orelha a orelha.

Para quem já leu a saga, o filme, ao contrário do que costuma acontecer, não é, de todo, uma decepção. Refeita do choque do primeiro - o Edward é ASSIM? - as personagens já nos são familiares, e a história flui muito melhor neste segundo filme, com menos intervenções de um narrador que aparecia demasiadas vezes para colmatar falhas de acção no volume 1 da saga feita cinema.
Tecnicismos à parte, o importante mesmo é: onde é que fica aquela reserva de índios-lobisomens, para eu ir lá nas férias? Triste, mesmo, quando, depois de 50 minutos de Jacob em tronco nu, o Edward tira a camisa e mostra um troncozinho raquítico, pálido e com uns pelinhos de enfeite - fica, claramente a perder, e só com muito esforço uma pessoa mantém a sua lealdade platónica a uma relação inexistente com uma personagem igualmente irreal. Mas Eddy, continuas à frente - escassos centímetros, avise-se!
O filme mantém-se fiel ao tom lamechas da história, incluindo, até, a imagem do supra-sumo dos clichés, com uma Bella e um Edward que correm pelos prados de roupinha ao vento e pele vampírica brilhando ao sol. Ridiculamente divertido e muitíssimo viciante.
Nota 10! Não, 20! A verdade é que adorámos cada segundinho do filme, por mais estúpida, irreal e melosa que a história seja - se calhar, porque ela é isso mesmo.

Posto isto, acrescento que, nos últimos tempos também li Saramago e Le Clézio. Agora não me linchem, ok?

Tuesday, November 17, 2009

O incrivel mundo da comunicação


Perfil: licenciada em Ciências da Comunicação, experiência na área do jornalismo, blablabla
Lista de vagas para possíveis empregos:
- Responsável de Recursos Humanos (ok, não é tão absurdo assim)
- Gestora de loja (hummm... avancemos...)
- Condutor de barcos de recreio (.......)


É que condutor de barco de recreio que se preze deve ser capaz de recitar Walter Benjamin, compreender o panóptico de Foucault ou, pelo menos, conseguir explicar aos senhores turistas a semiótica da Torre de Belém! E se conseguir, pelo meio, relatar tudo isto em forma de notícia - sem adjectivos nem advérbios, faz favor - está contratado!

Por isso, meus amigos, há esperança no incrível mundo da comunicação!...

Friday, October 16, 2009

Venho corrigir o meu último post. Na verdade, parece-me que tenho uma mini bolha, invisível mas palpável, no dedinho do pé. Evil shoessss!
O que eu queria mesmo, para além da paz no mundo, o fim da fome, etc etc, era ser capaz de andar um dia inteiro de saltos altos sem parecer ter sido atropelada por um camião. Porque, convenhamos, se há adereço milagroso é esse, o salto de não sei quantos centimetros que nos deixa as pernas fabulosas e nos dá um ar de personagem de uma série cosmopolita americana tipo Sexo e a Cidade, Lipstick Jungle, Máfia de Saltos Altos e afins.
Mas, verdade seja dita, não sou capaz de acreditar que esse dia venha, de facto, a chegar. É que quando alguém me diz que adooora andar de saltos, eu penso sempre que, das duas, uma: ou estou em amena cavaqueira com a irmã do Pinóquio ou então a pobre tem de ter os pés completamente fustigados por calosidades que lhes roubaram para sempre a sensibilidade nesta parte do corpo. Ou então, quem sabe, há mesmo esta espécie sortuda de mulheres que nasceu com o dom de aguentar todo o peso do corpo nas pontinhas dos pés sem sentir uma pontinha que seja de dor. Raios as partam!
E isto porquê?
Porque ontem, para uma ocasião mais formalzinha, lá calcei os meus sapatinhos lindos e amarelos, a fazer pandan com a malinha igualmente linda e amarela, e parti, feliz e confiante, pelas estradas deste belo concelho que é Oeiras. Isto até sair do carro. Porque depois, não encontrando local onde estacionar, deparei-me com a problemática falta de passeios e, entre caminhar através da rotunda, ou mergulhar na lama que a ladeava, lá optei pela lama, que suja mas não mata. E com os saltinhos amarelos espetados na lama, os pés a darem os primeiros sinais de dor, e o tempo a passar assustadoramente depressa, lá se foi a elegância e ficou apenas o instinto de sobrevivência, a gritar-me aos ouvidos: mas quem é que te disse que era boa ideia trazer os sapatinhos coquetes?
O resultado é que à hora de almoço, saindo da redacção, já quase coxeava em direcção ao carro. Cheguei mesmo a pensar que o dedinho pequenino já devia parecer uma papa de sangue quando, finalmente, arrancasse aquele sapato, ainda lindo, mas assustadoramente doloroso, do meu pé.
Não tinha sangue. Nem sequer uma mini bolha para me poder queixar à vontade. Mas os sapatos amarelos voltaram para o seu lugarzinho, de onde não sairão até à próxima ocasião formalzinha.

Mas se há coisa que não dói e também é linda de morrer são malas, e por isso, minhas amigas, eu se fosse a vocês ia espreitar o Cascaishopping nos próximos tempos, que a Telabags está a preparar uma colecção com descontos very apelativos. São ecológicas, feitas à mão e giras, giras! Se é para sofrer com a crise, ao menos sofremos com estilo - e com os pés o mais intactos possível!

Monday, June 29, 2009

Eu não estou aqui

Tenho saudades de quem sou. Ou de quem era. Tenho saudades da forma anárquica como organizava o mundo à minha volta. Como batia o pé e jurava que eu não ia ser assim. Não ia apanhar o metro a correr para picar o ponto. Não ia vestir-me de cinzento nos dias de chuva. Nunca. Queria encontrar-me, um dia destes. Lembrar-me como era sentir-me assim. Tão viva, tão certa, tão feliz.
Eu não pico o ponto. Eu não ando de metro. Eu não me visto de cinzento nos dias de chuva.
Mas, mesmo assim, não estou aqui.

Friday, June 19, 2009

Dia de fecho

Dia de fecho.
Oscila entre a loucura e a pasmaceira. Entre o corre-corre e o estar sentada durante horas, nas escadinhas, a apanhar sol, a fumar cigarros e a comer cerejas. Os dias de fecho têm cheiro. É o cheiro da tinta dos prints e plotters, dos marcadores fluorescentes a marcar notas e apontamentos nas margens, do dia que se vai transformando em noite e nós cá dentro, às vezes, no Verão quase nunca, a olhar para o ecrã, absortas das mudanças que se vão dando do outro lado da janela.
Dias de fecho são dias de cortar palavras aos textos. Às vezes parágrafos inteiros, outras vezes são textos dentro do texto que desaparecem, sem sequer deixarem vestígio de algum dia terem existido. Substituem-se palavras perfeitas por outras mais curtas. Sinónimos. Isso não existe. Isso não há.
São dias de corte e costura, de cansaço que traz olheiras, dores de costas, pescoços que estalam, olhos que ardem, zumbido nos ouvidos, roupa que cola e cadeiras que se moldam ao corpo. É a minha cadeira. E se não é confortável é porque o meu corpo não gosta do seu próprio molde. Culpa dele.
Dia de fecho é de “boa sorte”, de “escreveste tanto!”, de “não podemos aumentar um bocadinho a caixa de texto?” de bateres de pestanas suplicantes, vitórias às vezes, derrotas muitas mais, um “uffa” no fim antes da próxima guilhotina. São dias de isqueiros que flutuam entre nós, emprestados, perdidos, não tem dono? ah, é meu!, e o meu isqueiro? – is...quê? Viagens à máquina para ver os snacks que ainda estão dentro do prazo e depois esmurrá-la quando eles não caem, de ir à Maria Delícia comer uma fatia de bolo de bolacha, de arrumar a secretária que ficará novamente caótica na semana seguinte.
Dia de fecho – como é que alguém pode viver isto todos os dias?!

Thursday, June 18, 2009

A Morte Melancólica do Rapaz Ostra e outras estórias

Depois de mais de um ano de ausência "emprestada" ele voltou. Tão brutalmente imperfeito como antes :)

The Melancholy Death of Oyster Boy (de Tim Burton)



He proposed in the dunes,

they were wed by the sea,

Their nine-day-long honeymoonwas on the isle of Capri.

For their supper they had one specatular dish-a simmering stew of mollusks and fish.And while he savored the broth,her bride's heart made a wish.
That wish came true-she gave birth to a baby.

But was this little one human

Well, maybe.


Ten fingers, ten toes,

he had plumbing and sight.
He could hear, he could feel,but normal?

Not quite.

This unnatural birth, this canker, this blight,

was the start and the end and the sum of their plight.


She railed at the doctor:

"He cannot be mine.
He smells of the ocean, of seaweed and brine."


"You should count yourself lucky, for only last week,

I treated a girl with three ears and a beak.
That your son is half oyster
you cannot blame me.
... have you ever considered, by chance,
a small home by the sea?"


Not knowing what to name him,

they just called him Sam,
or sometimes,
"that thing that looks like a clam"


Everyone wondered, but no one could tell,
When would young Oyster Boy come out of his shell?


When the Thompson quadruplets espied him one day,

they called him a bivalve and ran quickly away.

One spring afternoon,
Sam was left in the rain.
At the southwestern corner of Seaview and Main,
he watched the rain water as it swirled
down the drain.


His mom on the freeway


in the breakdown lane
was pouding the dashboard

-she couldn't contain
the ever-rising grief,

frustration,
and pain.


"Really, sweetheart," she said



"I don't mean to make fun,


but something smells fishy


and I think it's our son.


I don't like to say this, but it must be said,


you're blaming our son for your problems in bed."


He tried salves, he tried ointments



that turned everything red.


He tried potions and lotions


and tincture of lead.


He ached and he itched and he twitched and he bled.


The doctor diagnosed,

"I can't quite be sure,

but the cause of the problem may also be the cure.

They say oysters improve your sexual powers.
Perhaps eating your son
would help you do it for hours!"


He came on tiptoe,

he came on the sly,
sweat on his forehead,
and on his lips-a lie.


"Son, are you happy? I don't mean to pry,
but do you dream of Heaven?
Have you ever wanted to die?


Sam blinked his eye twice.

but made no reply.

Dad fingered his knife and loosened his tie.


As he picked up his son,

Sam dripped on his coat.

With the shell to his lips,
Sam slipped down his throat.

They burried him quickly in the sand by the sea
-sighed a prayer, wept a tear-
and they were back home by three.

A cross of greay driftwood marked Oyster Boy's grave.
Words writ in the sand
promised Jesus would save.


But his memory was lost with one high-tide wave.

Wednesday, June 17, 2009

Condutores, juntem-se a mim num boicote aos piiiiii

Há um teste na internet que nos permite “descobrir” quando e de que morreremos. É um teste na internet – o que, desde logo, diz muito sobre a sua fiabilidade. E tem como objectivo prever o futuro – outra das suas características levemente dúbias. Mas, de qualquer forma, há quem o faça. Eu não. Nem a brincar quero saber quando e como vou morrer. Por mais estúpido que seja.
Eu sei aquelas coisas de que, eventualmente, me terei de separar se quiser viver mais uns anos – isto tendo em conta a simples lei das probabilidades. Dizer adeus ao LM Azul no fundo da mala, por exemplo. Não mandar sms enquanto conduzo também pode ser uma boa medida a tomar. Começar a baixar a cabeça quando passo debaixo dos sítios – cada vez mais me apercebo de que ser baixa não equivale a ser invisível e que bater com a cabeça dói. Mesmo. E, num dos primeiros lugares da lista, com direito a néons coloridos em redor: começar a controlar a hipertensão na estrada. Acho que é um dos melhores sítios para “medir” uma pessoa. Há os que esperam estoicamente na fila, debaixo de 30 graus, para avançar dois metros após meia hora de espera, segundo um princípio qualquer de justiça e respeito pelo próximo – como eu. E aqueles que avançam, felizes e contentes, pela faixa da esquerda, para se enfiarem novamente na direita como se tivessem alguma espécie de direito supremo a passar à frente. E há, claro, os que deixam, encolhem os ombros, lá dão espaço. E os outros que vão o caminho todo colados ao da frente, quase sempre a um milímetro de bater, a espreitar pelo espelho para ver se alguém vem aí a tentar enfiar-se num espacinho deixado ao acaso, que buzinam, reclamam e encolhem os ombros abanando a cabeça quando lhes pedem para passar e tremendo de raiva quando alguém (piiiii), os (piiiiii) deixa mesmo (piiiii) passar. Eu sou destes últimos. Do tipo que gostava de criar uma associação nacional contra os anormais na estrada. “Se ninguém os deixar meter-se eles desistem!”, argumento, de olhos sempre fixos no próximo carro que procura roubar o lugar que durante meia hora ou mais lutei para manter. O que me transforma na pior companhia de sempre para atravessar a ponte 25 de Abril, por exemplo. “Chega-te já à frente! Não! NÃO! Não o deixes passar! PORQUÊÊÊ?!” Mas eu acho que não sou eu que tenho o problema. Se calhar exagero, ainda admito isso. É que, repito, se nenhum de nós acedesse a colaborar com os condutores que consideram o seu tempo mais valioso que o nosso, e que ainda se gabam de nunca esperar nas filas, se calhar a coisa mudava um bocadinho. Mas não. Ficamos dentro do carro a suar, civilizadamente. Avançamos na fila, civilizadamente. E deixamo-nos ultrapassar, civilizadamente. Ninguém está para se chatear...

Friday, May 15, 2009

As oito coisas que quero fazer antes de morrer

Não é que esteja com tendências trágicas ou suicidas. A vida até corre bem e já há sol suficiente para andar de chinelinho no pé e arriscar um gelado ao lanche sem ter medo de morrer de gripe a seguir. Mas eu sou lá moça de recusar um desafio, ainda por cima tão persuasivo (grande poder de persuasão, Alê) como o que a minha Alecas fez no seu La Dolce Vita!
Vai daí, pus-me a pensar nas oito coisas que quero fazer antes de morrer.

1. Ganhar o Nobel da Literatura (ou, numa versão mais realista, conseguir enfiar qualquer coisa escrita por mim nas prateleiras da Fnac)
2. Estar despreocupadamente a ver o Jornal Nacional enquanto como o jantar e descobrir que ganhei o Euromilhões! (ou, numa versão mais realista, receber a herança da tia milionária que nunca conheci mas que tenho a certeza que existe por aí!)
3. Dar a volta ao mundo com a minha filha. De barco. A motor.
4. Aprender pelo menos mais 3 línguas (a minha aposta iria para o árabe, o russo e o mandarim)
5. Escrever a notícia da descoberta da cura do cancro ou da Sida, da invenção da máquina do tempo, do fim da guerra, da fome e da miséria em todo e qualquer cantinho do nosso mundo.
6. Escrever um poema num sítio qualquer onde o tempo não o consiga apagar, por exemplo debaixo de uma pedra de um monumento, para ser descoberto por alguém centenas de anos depois - de preferência por uma menina de tranças e corda de saltar atrás
7. Ter uma carrada de netinhos para lhes contar histórias -e para, já agora, massajarem os pés da avózinha quando estiver cansada :P
8. Morrer feliz com tudo o que fiz, com todos os que conheci, com tudo o que sonhei, inventei e amei e resignada com aquilo que não tive tempo e oportunidade para fazer, sem arrependimentos.

É melhor começar a mexer-me.
Já.

Wednesday, April 15, 2009

Por enquanto... "Heil Magalhães"

Olhei o caixote de cartão com alguma desconfiança. Meses de espera tinham-me trazido, finalmente, o famoso - por uns aclamado, pela maioria apupado -Magalhães. A caixa, branca e azul, mostrava dois miúdos sorridentes, sob o slogan "Em cada criança há um descobridor". A minha filha gritava, feliz da vida, que tinha um computador só para ela, e eu rezava, baxinho, para que o computador passasse no primeiro teste: se ligasse, eu já ficava minimamente satisfeita.
Abrimos a caixa: um simples facalhão de cozinha bastou, fortalecendo a esperança de que a missão "Pôr o Magalhães em acção" ia ser tão fácil como "roubar doces a uma criança" - o que, verdade seja dita, não é nada fácil e só alguém que nunca tenha tentado "roubar doces a uma criança" é que podia ter inventado isto.
Depois disto, foi fácil. Básico mesmo. Senti-me quase tentada a acreditar que as criancinhas mais velhas até eram capazes de o fazer sozinhas: cabo de alimentação no pc e na tomada, toca a ligar o pc, instalar windows "aceito, seguinte, seguinte, seguinte" e voilá, o mighty Magalhães já bombava na minha cozinha.
Aparentemente, e só com umas quantas horinhas de teste, tudo funciona. Ainda não explorámos todos os jogos, mas, do que vi, a nossa versão - perdão, a versão da Didi - já tem os erros ortográficos corrigidos e tudo corre na perfeição.
Afinal, o computador até é resistente às quedas - segundo dizem - é verdadeiramente portátil - mini mini portátil - e custou menos que um par de sapatos. Por enquanto (e só por enquanto) eu digo "Heil Magalhães!"

Tuesday, April 14, 2009

Abril, águas mil

Ainda que as mutações climáticas nos façam usar tops de alças e havaianas no Inverno, há coisas que ainda se mantêm. Como o tal ditado que diz que em Abril, águas mil. Mil águas contra o meu carro logo pela manhã, mil carros cheios de condutores enfurecidos/cegos pela chuva que acendem e apagam piscas, que atravessam duas faixas de cada vez, que seguram cigarros encharcados do lado de fora da janela (?) e buzinam com paixão, assinalando a sua existência.

É bom saber que há coisas que não mudam.

Thursday, April 02, 2009

Tinha essa mania de contar sempre as coisas dos outros como se se tivessem passado com ele. As dores, as mortes, as alegrias, as zangas, os perdões. Ele próprio morria, vezes sem conta, nas palavras arrastadas que lhe escorriam dos lábios nos fins de tarde no alpendre. Os olhos apressavam a esconder-se sob as pálpebras, quando finos fios de lágrimas lhe chegavam ao queixo. Já tivera mil profissões, mascaradas sob o chapéu de palha meio rasgado pelo tempo. Fora contador de suspiros, guardador de segredos, construtor de constelações. Esta última, a mais difícil, provocara-lhe um coxear da perna esquerda quando uma noite, distraído, se deixara cair do enorme escadote em que se empoleirava para chegar ao céu. Não o negávamos nunca - as verdades dele não eram propriamente as nossas, mas isso não as tornava mentiras. Eram verdades que nasciam daquela hora única no dia, quando a noite se começa a desfazer em retalhos de luz e os sonhos se diluem nos sons do despertar. Não eram sonhos, porém. Eram verdade mesmo, e ele corria a casa, coxeando, para trazer o grande baú de madeira onde, durante anos, guardara os segredos dos outros, fazendo prova do que dizia.
Nós sorríamos - o que interessava a lógica e o bom senso? Quem queria saber da física, da medicina ou de qualquer outra ciência exacta, quando aquelas palavras nos embalavam os pores do sol? Deixávamo-nos ficar, estendidas sobre a madeira quente do alpendre, a trincar as maçãs roubadas à terra, e desenhávamos com as palavras novas profissões para nós: plantadoras de sonhos, pescadoras de sorrisos, lavadoras de almas. E, quando finalmente a lua surgia, ele levantava-se em silêncio e voltava a casa. Sozinho, emudecido, sem se despedir, cruzava a porta sempre aberta e desaparecia por entre a escuridão espessa que enchia o corredor e se lhe agarrava à pele. Nunca houve adeus entre nós. Nem sequer um até logo, um até já ou um até amanhã. Éramos tão livres quanto as ervas daninhas que cresciam nas traseiras da casa. Livres ao ponto de nunca dizer adeus. Tão livres quanto algum ser pode ser.

Thursday, February 19, 2009

A "crise"

A crise é horrível. Lemo-la nos jornais, nas caras das pessoas quando contam os trocos para pagar as compras, na conversa do amigo do amigo que perdeu o emprego. Até aí, a crise é horrível, mas podemos com ela.

Depois, a crise chega até nós. Assim, quase sem aviso, uma estalada de realidade de que leva tempo até nos recompormos. Já não é só horrível: é chocante, difícil de acreditar. Olhas para ela de frente e, mesmo assim, não a reconheces: é como um furacão que torna tudo disforme e esbatido e que, num instante, destrói aquilo que davas como quase certo. Pela primeira vez, sentes medo a sério da "crise". Essa palavra escarrapachada em todos os jornais que já se tinha tornado tão parte do teu dia-a-dia que quase a esquecias. Pensas no que podes fazer e sabes que, em todo o mundo, milhares de pessoas estão a pensar exactamente o mesmo que tu: e agora?

Há uns meses ouvi, na rádio, um homem que falava de todas as crises pelas quais já tinha passado ao longo da vida - e sobrevivido. E, nessa altura, senti que havia esperança. Naquela voz tremida pela idade não havia medo, nem necessariamente coragem. Havia sabedoria. Aquele tipo de coisas que julgo que só se aprendem mesmo com a experiência e os anos. Aquelas coisas que, depois de as escutarmos pela primeira vez, são uma espécie de âncora que procuramos nos momentos difíceis. Palavras que vêm trazer à alma o aconchego que falta nas antigas certezas do dia-a-dia.

E eu acredito tanto em nós.

Monday, January 19, 2009

Dias mais ou menos

Há dias maus. Ou dias mais ou menos, vá. Em que só queríamos a cama, uma tarde de cinema típica de domingo com as comédias de sempre a passar em dose de elefante, o pijama de flanela e o aquecedor na potência máxima, só desta vez, porque até nos preocupamos com o consumo de energia e o fim do mundo.
Nestes dias, ou temos a coragem de nos atirarmos pelas escadas e, assim, sermos forçados a ficar em casa (ora, bolas!), ou, como o comum dos mortais, arrastamo-nos entre as torradas e o café com leite, a escova dos dentes e o casaco, e enfrentamos a chuva, o nevoeiro e o frio como bravos guerreiros vikings.
Mas também há dias de vacas na Praça de Espanha. Quando conduzimos quase em piloto-automático, alguém ao nosso lado grita: OLHA UMA VACA! e nós esperamos, a qualquer momento, embater com uma tonelada de manchas pretas e brancas. (quanto pesará uma vaca? google: "peso vaca" - cerca de 400 kgs) Afinal, não há embate. Quatro ou cinco vaquinhas limitam-se a pastar em plena Praça de Espanha, num metro quadrado de relva, à chuva e sob os gases dos tubos de escape dos carros que abrandam para espreitar estes espécimes raros na capital.
É nestes dias que a minha secretária excessivamente desarrumada (a mais desarrumada da área, já conferi) me irrita ao ponto de quase acreditar que alguém a desarruma todas as noites só pelo gozo de me chatear. Os jornais com 3 meses empilhados à esquerda parecem-me apenas potenciais formas de atear um fogo e as migalhas das bolachas que acabei de comer são motivo suficiente para dar um raspanete à senhora das limpezas que saiu daqui há uma hora...
Nestes dias mais ou menos, tudo o que eu quero é chegar a casa, tirar as botas, afundar-me no sofá e fingir que passei o dia inteiro assim. Mas, assim, não tinha visto as vacas e tinha perdido o acontecimento da semana em Lisboa...

Thursday, January 15, 2009

Sinfonia da melancolia

Passos.
Uma última palavra esvoaçante entre os braços.
Uma só, depressa
antes que, de repente, alguém apareça!
Antes que a luz descubra, por completo, os prédios e as casas
em frente dos quais as palavras se tornaram gestos
e os gestos ganharam asas.
Antes que o coração desta terra volte a bater
e a gente encha as ruas, caminhando sem se deter.
Sacos nas mãos, saltos nos pés, sonhos guardados
- quando é que nos tornámos tão estranhos e errados?
Antes que as pontes ameacem ruir,
e ninguém pare para as ver no momento de cair.
Antes que os destroços de pedra se misturem com os destroços de nós
e que o ruído de mil passos nos abafe e cale a voz.
Quando?
Quando é que cegámos por completo?
Cidades inteiras perdidas em cegueiras que passam por um defeito discreto.
Quando é que nos tornámos tão sós?
Quando é que todos os outros passaram a ser tão diferentes de nós?
Não são passos que escuto em torno de mim:
é a sinfonia de uma inteira melancolia feita de notas que são as gentes assim.





Thursday, January 08, 2009

Richness For Dummies




"There's plenty of money out there. They print more every day. But this ticket, there's only five of them in the whole world, and that's all there's ever going to be. Only a dummy would give this up for something as common as money. Are you a dummy?"

(Grandpa George em "Charlie and the Chocolate Factory", 2005)