Thursday, November 20, 2008

Pornografia Infantil, NÃO

Se o Bush criou o Eixo do Mal com países, os bloggers também podem renovar o conceito. Porque jamais o Mal (assim com maiúscula) foi exclusividade de uma nação, uma raça, uma língua ou uma religião. Essa coisa do Mal existe nos indivíduos, e nunca saberemos ao certo se resulta de uma distorção cerebral, ou de uma alma defeituosa. Ok, podre.O que sabemos é que o esse Eixo passa por estas palavras: angels, lolitas, boylover, preteens, girllover, childlover, pedoboy, boyboy, fetishboy ou feet boy.São os termos mais usados na pesquisa de pornografia infantil. Hoje a blogosfera adere a uma campanha para trocar as voltas a quem escreve estas palavras nos motores de busca. O objectivo é "entupir os motores de busca com os nossos posts para que no dia de hoje, o dia D, este crime tenha uma barreira a mais".Para mais esclarecimentos ir a http://margemdeerro.blogspot.com/2008/11/pornografia-infantil-no.html"Porque os blogs não têm de ser só “diários egocêntricos”.

( O Ponto do i)

eu junto-me. E tu?





Wednesday, November 12, 2008

Crescemos

Estamos a crescer. É irreversível, inegável, incontrolável. É o ciclo da vida, aquele de que fala a música do Rei Leão quando o pequeno Simba é balançado no topo do precipício pelo macaco mágico. Aos poucos, todos deixamos os livros para trás e afundamo-nos nas nossas cadeiras de rodinhas com que vaguemos, distraídos, por algum escritório. Às vezes, e é estranho, somos tratados pelo apelido. Dão-nos apertos de mão e tratam-nos por você. Nós comportamo-nos como vimos os crescidos fazerem. Às vezes. Ousamos um rodopio quando ninguém está a olhar, cantamos no corredor do supermercado em voz baixa, rabiscamos bonecos numa folha de papel quando temos uma conversa "séria" ao telefone.
Alguns de nós já tiveram filhos - eu sou mãe! Outros já compraram casas e discutem a pintura das paredes e as taxas euribor e coisas do género! Outras já têm um vestido de noiva guardado e vestem-no de vez em quando, enquanto dançam à frente do espelho. E ele já serve, não sobra nas mangas, os sapatos não caem quando tentam andar!
A maquilhagem fica-nos bem. Os saltos altos assentam-nos nos pés sem nos fazerem parecer despropositadas. A chave do carro, pronta a levar-nos até ao fim do mundo, fica tranquila, sobre a mesa, quando bebemos café.
Falamos dos empregos e, às vezes, tudo parece um filme. Tenho atrás de mim o mesmo cenário onde confessei o meu primeiro beijo, onde combinámos uma ida às matinés do Bauhaus (até à meia noite e com direito a dez sumos - o auge!), de onde partimos, a pé, para fugir a uma aula e dar um mergulho no mar do fim de Junho. E as mesmas pessoas - nunca nos apercebemos de como crescem aqueles que vemos quase todos os dias - que, para mim, continuam iguais.
Nós somos iguais. Só que mais crescidos... não é?

Thursday, November 06, 2008

madrugada

Quando o mundo adormece,
eu paro para ver.
Gosto de ser a única acordada
e saber
o que mais ninguém sabe,
e ter,
o que mais ninguém tem:
as cores que despertam, aos poucos, na rua.
As sombras bruxuleantes que dançam sob os candeeiros,
o cão que, coxeando, se arrasta para um canto.
O carro onde alguém suspira por alguém.
A estrela a que parece faltar uma ponta,
o baloiço onde se escreveram iniciais dentro de um coração,
a dançar, devagar, ao ritmo do vento.
Dum sentimento,
Dum momento
que ali se fez eterna música
que me murmura nas madrugadas.

Wednesday, November 05, 2008

Não importa que não faça sentido. Lançamos seixos à água na esperança de os ver saltar.

Monday, November 03, 2008

quando é outono

A areia fina entre os dedos, como quem traz fotografias. O cheiro a mar nos cabelos, como quem traz palavras escritas num guardanapo de papel. A pele onde o sal secou, como quem traz um sorriso prestes a surgir. As roupas ainda húmidas, como quem traz um segredo no bolso de trás.

Já tenho saudades da praia.

Wednesday, October 29, 2008

O incrível poder das telefonistas

Após mais uma dezena de telefonemas feitos para a central de táxis, dei por mim a imaginar o tipo de formação que as telefonistas devem receber a início. É que não é fácil uma pessoa demonstrar de forma tão elucidativa o quanto a aborrece falar com outra. Aqueles suspiros tão prolongados que estou sempre à espera de as ouvir cair para o lado, roxas, com falta de ar. Aqueles "hum hum" pronunciados pelo nariz (e imagino-os sempre a escapar das narinas com o fumo cinzento de um cigarro comprido e fininho) que nos dizem "não te estou a ouviiiir". Quantas horas de treino implicará toda esta aparelhagem de que é dotada cada telefonista? Quantos dias serão precisos até serem capazes de fazer com que nos sintamos a pessoa mais irritante à face da terra? Às vezes, quase que nos temos de desculpar por ligar.
- Mas isso é ao pé "daonde"?
- Olhe, eu não sei, só tenho a morada
PFFFF (mistura de suspiro com baforada de touro enraivecido)

Felizmente, as centrais de táxi ainda não implementaram as videochamadas, porque aí, meus amigos, tudo será muito pior. Desde olhares desdenhosos a abanares de cabeça milimetricamente estudados para nos fazerem sentir mais do que envergonhados por não sabermos de cor e salteado onde fica a Rua Nossa Senhora das Cabaças e ainda ousarmos (ousarmos!) pedir um táxi para nos levar lá.

E, quando alguma é simpática, aposto que deve ser imediatamente espancada, mal desliga o telefone! Afinal, há limites para tudo!

Wednesday, October 01, 2008

O hippie que gostava de lucky strikes...

“É strike. Como o Lucky Strike mas sem o Lucky: é assim que se diz greve em inglês.”
Desligou o telefone. A frase fez-me olhar outra vez para ele: de cabelo comprido, barba, bigode, óculos de sol à John Lennon. Um hippie com os seus cinquenta anos que ensinava greves em inglês pelo telefone, auxiliando-se de uma marca de tabaco, enquanto conduzia o táxi pela A5. No rádio tocava música clássica: ele ia tamborilando os dedos sobre o volante, num teclado invisível.
Pensei como seria há trinta anos. E como o seu passado se parecia reflectir no seu presente. Quase todos os hippies ficaram nas fotografias. Enterrados em baús de calças à boca de sino e camisas coloridas. Um bilhete de um concerto, alguns discos, pedaços de poemas escritos em pacotes de açúcar.
Queria perguntar-lhe como era o mundo quando ele tinha 23 anos, como eu. Que mais palavras se faziam a partir dos maços de tabaco: King’s, Double Happiness, Silk Cut... E desejar-lhe que a sua strike também fosse cheia de sorte, como a do maço de tabaco.

Mas limitei-me ao bom dia, depois de pagar.

Thursday, September 11, 2008

Só para vos dizer...

Há uma nova voz nessas ondas que enchem o céu, entopem os rádios, inundam os carros no trânsito. Sim, sou eu. Na TSF, às quintas-feiras, às 9h45. Vamos ouvir e rir!

Eu garanto que me rio sempre. Gargalhadas mesmo, quero buzinar e convidar os carros ao meu lado para fazerem o mesmo! Aquele "Laura Patrício", tão sério, tão crescido, ainda me parece uma brincadeira. E depois as palavras que no dia anterior foram gravadas entre gargalhadas e súplicas de oxigénio, frente a um microfone maior que a minha cara.

E então sigo, com o maior sorriso que os músculos faciais me permitem, como se estivesse num filme francês!

ahhhhh... :)

Saturday, August 30, 2008

Quando for grande

Um dia, quando for grande, vou voar.

Acredita.

Sunday, August 24, 2008

nunca ninguém sabe de mim

Perdoa-me o jeito meio sem jeito com que às vezes me expresso. É o tempo que me enrola os sentidos e me despe de sensibilidade e tacto. Não ligues às cores que não ligam umas nas outras, aos rasgões com que se enche o quarto, à desordem que se instalou em mim: eu sou meio assim, meia sem jeito, meia feita do nada. Esquece a menina das fotografias, tranças seguras em fitas vermelhas, sorriso manchado de gelado, um brilhozinho de cinema a espreitar no canto do olho: não sei dela. Procurei-a nos becos e nos bancos de jardim, liguei para os hospitais, para a polícia, li anúncios de jornais, e nada... é sempre assim:

nunca ninguém sabe de mim.

Monday, June 16, 2008

Hoje

Hoje pedi pela primeira vez um carro de aluguer completamente sozinha.
Hoje discuti o meu primeiro salário, que não chegou à conta porque andava perdido por ai numa realidade virtual qualquer...
Hoje saí de casa de sandálias e voltei a correr para calçar botas porque estava a chover. Quando cheguei à redacção estava sol.
Hoje sentei-me na esplanada à espera da minha amiga Inês para almoçar e congratulei-me por conseguir guardar um lugar tão disputado. Quando acendi um cigarro começou a chover.
Hoje raptei a ventoinha do editor e deixei que as duas hélices tipo saco de plástico fingissem que me arrefeciam.
Hoje descobri que o meu Banco pensa que sou menor, apesar de ter feito os 18 há mais de 5 anos. Além disso, também parecem pensar que sou um homem, visto que me dão sempre o título de Senhor.
Hoje liguei a uma amiga só para saber se ela estava bem e para ouvir uma voz familiar que me dissesse que sim, que está tudo bem.
Hoje fiz as palavras-cruzadas e descobri que Escavar não é Cavar: é Minar.
Hoje ouvi Svensson, o músico sueco que morreu a fazer mergulho, e pensei que às vezes morremos da forma mais inesperada. Sempre.
Hoje escrevi duas vezes no blog, o que não acontecia há meses.
Hoje olhei muitas vezes para o desenho da minha filha, ao lado do computador, em que tenho pernas que parecem chouriços e seguro um balão com um coração: pensei que as crianças são os seres mais perspicazes do mundo.
Hoje combinei as minhas primeiras férias de trabalhadora e reservei a minha primeira quinzena de liberdade: soube a mundo de crescidos.
Hoje respeitei o meu direito ao silêncio quando me apeteceu gritar e isso fez-me sorrir.
Hoje foi só mais um dia. Imaginei o que poderia escrever de uma vida inteira. Isso fez-me feliz.

Apesar de tudo

Apesar de tudo, há um sorriso quando a FCSH vem à conversa.

Seja com antigos colegas, recordando nomes sonantes que começam por M e acabam em ão (e pelo meio têm -our), ou ainda aquele que tinha nome de vila...
Seja com os senhores da central de táxis que se riem quando dizemos Faculdade de ciências sociais e humanas e dizem: "Ah, a novaaaa!" (o que é um pouco assustador, na verdade).
Seja com outros jornalistas, saídos das primeiras fornadas de licenciados em CC, que recordam semiótica com um sorriso que prova que não tiveram o prof que começa em M e acaba em ão (e que tem o tal -our a meio).

Críticas e censuras à parte, somos da Nova. Somos, para sempre, dessa universidade em que há uma população imensa de góticos e dreads que partilha o espaço da esplanada, em que há shows de reaggae espontâneos e mitos urbanos sobre alunos em pânico que se atiram das escadas (vá, confesso, este último foi mesmo criado por mim). Somos dessa "casa" em que os elevadores funcionam mal e quando funcionam às vezes param e deixam 20 pessoas do sexo feminino à beira de um ataque de claustrofobia à medida que se vão apercebendo que ninguém as vem salvar. Esse sítio onde as baguetes são sempre alternativa à cantina dos ricos e à dos pobres. Dizem que somos esquisitos (quantas vezes a frase, dita por alguém que me acompanhava à faculdade: "bem, a tua faculdade tem bué pessoal esquisito!") e nós encolhemos os ombros e sorrimos. Há a casa das cópias, as casas de banho de tectos inclinados e sem luz, os horários remexidos 50 vezes antes, a meio e depois das inscrições no início do ano lectivo, uns galos (sim, os animais, maridos das galinhas, pais dos pintinhos...) que nunca cheguei a ver mas que me garantiram que existem, de facto. Nós somos isso tudo, sim. Somos os tais que levaram com semiótica, pragmática e outras disciplinas com nomes de código e que superaram tudo isso.

É por isso que podemos dizer mal dela. Não é assim que funcionam as famílias? Nós podemos acusar, criticar, apontar o dedo. E se os outros decidirem atacá-la talvez alguns de nós se levantem em sua defesa.

Apesar de tudo (e este tudo é tão grandeeee).

"É orgia, é bacanal
é comuni-
é comunicação social"

Sunday, June 15, 2008

Ela

É mais fácil escrever sobre personagens imaginárias que sobre nós próprios. Os seus actos nunca vão além do papel, as suas palavras não podem extravasar a tinta de que são feitas, mesmo quando ressoam dentro do leitor que se esforça por lhes descobrir o ritmo certo, o sotaque adequado, a forma como os lábios terão pronunciado aquele último som. As personagens nunca morrem: adormecem para acordar, vezes sem conta, na memória de quem as conheceu. Ressuscitam de cada vez que alguém abre a primeira página do livro e lê: "Ele não sabia ler, nem escrever, mas aprendera que as coisas tinham nomes e que os nomes eram das coisas". É por isso que a minha vida está cheia de eles e elas, os e as, aquele e aquela. Ela sabe, sente e atormenta-se. Ela vive e a sua energia está espalhada em cada letra da sua (tua? minha?) fisionomia.

Não costumo chorar com os livros. Era a melhor forma de começar, mas seria mentira.

Ela não costuma chorar com os livros. Eles choram-na a ela, deitam-lhe lágrimas grossas sobre o rosto, carregam-lhe a garganta de alguns soluços. É raro, mas quando acontece ela deixa que eles a chorem toda, de uma vez, com o ar a atropelar-se entre os lábios e olhos turvos que impedem que veja a próxima palavra. Esforça-se por voltar a ver, ler, ser. Esforça-se por compreender. Abana a cabeça e suspira. Termina num só sopro: em vez de ler, devora. Come as palavras depressa e, tal como acontece com o comum guloso, sente-se mal disposta a seguir. Há um vazio feito de imensidão dentro dela, sente-se cheia de palavras, há letras que se acotovelam e sons que se sobrepõem como garras de metal. Emoções que se esmagam (do sim e do não, do bom e do mau), um medo que consegue filtrar os sonhos e que atormenta o sono.
Quando um livro é realmente bom, ela sabe que ele viverá para sempre num cantinho do seu ser. Que há frases sublinhadas que vai querer tatuar na pele, embora nunca o venha a fazer. Que há expressões que vai querer saborear todas as manhãs e outras que por mais que tente nunca a deixarão em paz. Que há um descompasso no coração que se deve a cada palavra que decorou, a cada personagem que amou e a cada descrição que foi capaz de ver com os olhos fechados.

Ela não costuma chorar com os livros. Eu sim.

Friday, June 13, 2008

O Sexo, a Cidade e a Aldeia (sim, as aldeãs também têm direito à vida)

Era completamente necessário. Absolutamente indispensável. Totalmente essencial. Ver “O Sexo e a Cidade” no dia seguinte à estreia era mais que uma forma de passar um bom momento: era uma questão de honra para quem cresceu a ver as quatro New York chicks (agora mais crescidinhas) desde a primeiríssima série.A geração dos 20 e poucos, a nossa, tem uma relação engraçada com elas. Suponho que a dos 40 também: afinal, cresceram juntas, lá foram aprendendo juntas e juntas descobriram pecados com nomes próprios – Jimmy Choo, Manolo, Prada...Nós, as dos 20 e picos, começámos a ver “Sex and the City” quando ainda não sabíamos o que era um nem o outro. Tudo era absolutamente encantador: a Carrie a assobiar para os táxis, os Cosmos que acompanhavam os detalhes mais sórdidos, a ingenuidade da Charlotte, quase tão grande como a nossa, as lágrimas, e lágrimas e lágrimas que se seguiam a cada ruptura com o Mr. Big...Sentámo-nos, armadas de pipocas e garrafas de água. O momento pedia sapatos de salto alto, agora que já temos idade para tal, micro-vestidos e talvez os famosíssimos Cosmos para acompanhar. Limitámo-nos aos jeans, tops, casaquinhos de malha... estamos em Oeiras e NY fica a alguns quilómetros (uns poucos...) de distância. Rimos, aguentámos as lágrimas, aceitámos o final mais que previsto: como não? Poderia acabar doutra forma?A pergunta, mais que típica, paira no ar: afinal, qual das protagonistas do Sexo e a Cidade é mais parecida connosco? Não haverá um bocadinho de todas elas em todas nós? Mas claro que sim! Só que há sempre uma que nos diz mais e fazendo a prova dos nove, tal como a Ale (www.l-d-v.blogspot.com), havia que tirar as dúvidas. Um quizz na net era a prova irrefutável (afinal, haverá algo mais científico e objectivo?): “your answers peg you as a Carrie-type, much influenced by the Air Sign qualities, associated with Gemini...”- e não é que até no meu signo acertaram?

Wednesday, June 04, 2008

A minha vida dava um filme indiano

Ok, talvez um indiano não, porque geralmente há sempre pessoas a dançar nesses filmes, com o taj mahal como pano de fundo, e tudo o que eu poderia oferecer eram bailaricos com o areeiro ao fundo e drogados a cruzarem as ruas a venderem pensos e lenços de papel.
Se calhar a minha vida dava mesmo era um musical: cantoria não falta, no carro, ao pc, mesmo durante a hora de almoço, indo contra todas e quaisquer regras de etiqueta!
No fundo, no fundo, eu acho mesmo é que a minha vida dava um drama. Ou uma comédia. Porque perder os documentos do carro no dia em que os recebi é mau. Ser parada pela polícia pela primeira vez em 4 anos precisamente nesse dia é pior ainda. Mas ser parada pela segunda vez (em quatro anos, não se esqueçam), e apanharem-me a falar através de aparelho sonoro durante o momento de condução do veículo... isso é VOODOO! Começo a considerar, seriamente, consultar uma bruxa, uma vidente, alguém com ligações místicas e poderosas a esse mundo do invisível.
E eu pergunto, no topo da minha pureza, quem me poderia desejar mal?...

Saturday, April 19, 2008

Ma, la, ca, sa

Pensava que me tinha esquecido de como se fazia. Disparate, estava tudo lá, as instruções escondidas a um recanto da memória com o aviso "Utilizar em caso de necessidade". Era só fazer como dantes, limpar o pó que cobria as pontas dos dedos, resgatar o cabelo ao seu descontrolo no alto da cabeça e estalar os dedos, como sempre, na busca da sílaba perfeita. O ma, o la, o ca, o sa... direitinhas, enfileiradas, escorrendo gota a gota pelos lábios ainda destreinados. A voz não era a minha: era aquela, a de sempre, a das noites sem horas e dos dias sem término previsto. Era a doce melancolia quem se escapava, novamente, por entre os portões da história do meu ser. E deixei-a dançar toda a noite, até lhe doerem os pés, até lhe pesarem as pernas. Rodopiou, saltou, bailarina desengonçada em caixinha de música anciã. Se a chuva caía lá fora, ainda melhor. Ainda melhor porque o sol nem sempre tem razão e naquele dia a chuva era o compasso alterado das minhas explicações. Não sabemos porquê, mas ela sim. Ela chove sempre por e para alguém, mesmo para aqueles que ainda ou já não são. Sem guarda-chuva, sombrinha nem nauseabundos tectos artificiais para me separar do mundo. Tudo se dilui nessa água inicial, tudo se compõe e estala em sinfonia. Dos pés com raízes que não vemos (elas estão lá, inscritas nas linhas que os tatuam à nascença) à cabeça de humano artifício, funde-se a luz com a cruz, a negridão com a compreensão, e somos, enfim, filhos das nossas próprias mãos.

Wednesday, April 16, 2008

Cinderela do mundo

Vá, eu confesso: há aqui qualquer coisa que mudou. E não foi a disposição das prateleiras nem a cor da colcha na cama. Fui eu. Euzinha, que de mim não enxergo mais do que os pés e as mãos, e costumo enfrentar o espelho de sobrancelha erguida, desconfiada: "mas quem és tu que és eu?" (são trocistas os espelhos, limitam-se a responder sempre o mesmo, no mais puro silêncio, e a repetir, ad infinitum, aquilo que lhes perguntamos...).
Às vezes queremos tanto mudar que, sem nos apercebermos, ficamos cada vez mais parecidos com nós mesmos. Outras, estamos tão distraídos, que a mudança acontece e pensamos que foi o mundo que mudou. Não, fomos nós. Não foram eles que deixaram de aparecer, foste tu que deixaste de lá ir... sim e mas... Não, o Sol não mudou de posição, foste tu que aprendeste a olhá-lo do ângulo exacto em que não te fere a vista.
E eu sei lá por onde começar. Se calhar por aquela manhã de Janeiro em que a aula não acabava nunca e eu tinha horas para... Não, foi mais cedo ainda. No Verão em que os dias foram tortuosamente longos e as noites assustadoramente calmas. Sim, foi aí.
E depois aquela manhã de Janeiro (sim, a tal) em que entrei na redacção com o estômago às voltas e escrevi a minha primeira peça. Para sair? Sim, para publicar. Quando? A emoção de espreitar as bancas à espera de 500 caracteres. 500 míseros caracteres com a pujança de uma edição inteira, com a importância de uma taça olímpica, lidos e relidos à exaustão. A revista trazida debaixo do braço, como um filho que protegemos da chuva: e voltamos a ler, em voz alta, primeiro a uns, depois a outros, sempre com a mesma emoção e excitação pueril na voz que se assemelha a soluços. (ai, a nossa, a tribo dos caracteres!)
E a primeira ida, menos de 3 semanas depois, à procura de um ar profissional que se desfaz na forma como olhamos, olhos grandes, olhos de mundo, olhos de quem dá nomes que ainda não foram inventados às coisas à nossa volta, olhos de quem nunca esteve ali, de quem nunca fez aquilo, e que tem sede de cada caracter de que se preenche o espaço.
Eu viajei, eu experimentei, eu voei de helicóptero, eu conduzi uma lancha no mar da Madeira, dormi em camas fofas de hotéis com pantufas macias e robes imaculados, eu comi pratos daqui e dali, conheci caras de cá e de lá, escutei as palavras simples, as meigas, as anónimas, as famosas, as duras, as prepotentes. E escrevi. Escrevi milhares, biliões de caracteres em busca dos sentidos das coisas que (vi)vi.
E compreendi que esta sede não acaba. Não é a inexperiência que nos dá olhos grandes, olhos de mundo. É a alegria de estar onde estamos, com quem estamos, nesse momento exacto. E é essa ânsia de contar a todos, com 500, 1000, 15000 caracteres, tudo aquilo que vivemos.
É por isso que sei que mudei. Agora, sou Cinderela do mundo: o meu lugar é aqui e ali, onde quer que o pé encaixe...

Sunday, April 06, 2008

despedidas

Nunca fui boa nas despedidas. Nunca soube jogar esse ping-pong de suspiros entrecortados por frases que ficam suspensas, cadentes das suas próprias interrupções. Nunca tive jeito para abraços demorados: a alma agita-se para se libertar e o corpo adormece e deixa de me pertencer. Não sei fazer essa troca de últimos afectos, essas vénias encenadas disfarçadas de instinto. Nunca fui boa a conter emoções: lágrimas e sorrisos fundem-se no rosto, torno-me um rio que flui para além de mim, uma forma disforme sem corpo (só alma!) para agir, só sentir. No fundo, no fundo, nunca me soube despedir. Nunca soube deixar para trás, guardei sempre pedacinhos de bilhetes nos bolsos, a página do jornal de um dia qualquer a ocupar espaço na minha vida como uma ausência presente que não incomoda: só existe e pronto. Os meus adeus terminam sempre num "até um dia" que ambos sabemos que não tem lugar nos nossos calendários. Mas, ao menos assim, não me despeço nunca. É que, infelizmente, nunca fui boa nas despedidas.

Monday, March 31, 2008

E no entanto...

Eles não sabem nada de mim, e no entanto gritam o meu nome, as sílabas enroladas nas consoantes como se me diluísse na própria palavra que me nomeia. Eles não sabem nada de mim, porque nunca souberam ver-me. Olharam e acharam que isso era suficiente. Eles nunca me souberam ler e por isso nunca me tiveram, nunca me entenderam. Eu nunca fui desse mundo porque esse mundo nunca soube ser meu. Eles falam em meu nome, do meu nome, pelo meu nome, e no entanto não compreendem que eu sou muito mais que um nome. Sou muito mais que um corpo, uma cara, um estado de espírito. Eu sou um turbilhão vivo, uma noite cerrada em que os segredos se escondem por detrás de cortinas fechadas e estores corridos. Nunca soubeste abrir a janela e deixar entrar a luz da noite, a única luz em que tudo é verdade pura, sólida negridão que se entranha nas veias. Nunca me tiveste. Nunca me conheceste. Nunca soubeste nada de mim...

e no entanto...

Thursday, March 06, 2008

bom dia bom dia

Afinal há sol. Sol e flores e uma brisa que de tão meiga chega a doer. Há estradas que não dão a lado nenhum, que existem para serem percorridas com pés de lã e saltinhos infantis. Há músicos sentados no passeio, sem chapéus onde deitar moedas, com notas de março que fazem lembrar o chilrear dos pássaros e os copos de cristal no segundo antes de se quebrarem. Há pedras partidas em pedaços, com formas que conheço dos sonhos que de vez em quando regressam quando já estavam, há muito, esquecidos. Há tempo de menos para coisas a mais. Há dezenas, centenas de sons que ecoam sem que os consiga isolar e dar-lhes um nome. E se eu pudesse... multiplicar o meu eu, desdobrar-me, desmontar-me, partir para diferentes destinos daqueles que não surgem nas revistas porque, na verdade, não têm mesmo nada para ver. E vê-los assim, no seu nada que é um todo ofegante, um todo que rasura a alma que não está habituada ao nada que se estende à vista. Sem óculos de sol, sem saltos altos. Os pés descalços e a relva macia que desperta para dizer bom dia. Bom dia mundo. Bom dia vida.

avião de papel

Um avião de papel voa baixinho, rente aos telhados vermelhos, sem rota definida nem hora de chegada. Ele nunca chega, aliás. Ele simplesmente vai. Longe, cada vez mais longe, até onde as asas de papel suportarem o vento. Desliza e abana, plana sem motivos. Só porque sim.

Apelo

Dia 14 de Março, sexta-feira, pelas 21 horas no largo 5 de Outubro em Oeiras (frente à igreja, na vila) vamos fazer uma vigília em memória/homenagem ao (Moko) Diogo Ferreira. Também será um protesto pela insegurança que sentimos actualmente no nosso concelho e no nosso país. Passa esta mensagem aos teus contactos pelos meios que dispões. Cabe-nos a nós mudar o mundo e temos de acreditar que é com pequenos gestos como estes, mas cheios de força, que ele avança.

A iniciativa não é minha, mas lá estarei. Não só pelo Moko mas por todos nós. Apelo, sinceramente, a todos aqueles que, mesmo não conhecendo o Moko, possam ir, que se desloquem até lá. Afinal, somos nós os homens e mulheres do amanhã não é? Vamos tentar fazer a diferença e criar um mundo melhor para nós. Por mais inútil que possa parecer é mudando uma pessoa de cada vez que se muda a humanidade... certo? Como diziam numa música "Eles têm as armas mas nós temos a voz"...

Por favor não deixem de aparecer. Pelo Moko, por todas as vítimas de violência, por todos aqueles que amam, para que não sejam eles, um dia, e por vocês mesmos. Obrigada

Wednesday, March 05, 2008

Até um dia

Não é adeus. Não se diz adeus a quem já mora dentro de nós. Não nos despedimos dos sorrisos que sobrevivem mesmo depois de se extinguirem.
Haja o que houver aí onde estás, espero que estejas em paz. Que a tua alma se encha de alegria quando vês as centenas de pessoas que tocaste e cuja vida revolucionaste com os teus gestos e palavras. Que a vida nem sempre é justa já todos o sabíamos. Como dói a injustiça, isso, vamos descobrindo aos poucos. Perguntam porque acontecem coisas más às melhores pessoas. Há quem diga que só essas vão ainda a tempo de ser salvas.
Não quero chorar: quero sorrir e gritar ao mundo que tive o privilégio de ter alguém assim na minha vida. E abaná-los pelos ombros e dizer: Chega! Chega de correr de um lado para o outro, discutir, cansar a cabeça com coisas sem importância. Aproveitem o dia, beijem quem amam, abracem quem querem, dancem à chuva se assim vos apetecer. Chega de violência, de intolerância, de rancores. Chega de ódios sem sentido, a vida é demasiado curta para isso. Curta mas grande, enorme, brilhante. Vivam cada dia como se fosse uma viagem única no mundo. Foi assim que fizeste. E, dessa forma, conquistaste a imortalidade dentro de cada um de nós.

Isto não é um adeus Moko. É até um dia. Vou sentir a tua falta**************

Thursday, February 28, 2008

o meu eterno sorrir

O meu sorriso não é prata nem ouro: é sempre a eterna inflexão de um momento de alquimia inesperada.São assim os sorrisos: estranhos à beira da estrada que se perdem de vista pelo caminho, pontos de luz que seguimos com os olhos e se extinguem entre o bater de asas de uma borboleta. Vivem do instante fugaz e a ele pertencem. Não se conhecem nunca, não se possuem nunca. Esgares oscilantes entre o contentamento e o desalento, jogos de luz e sombra que se traçam entre os cantos do rosto. E no instante em que víamos surgir um movimento familiar, ele desfaz-se no tempo, como uma página velha que se faz pó sob o toque do dedo, e tudo volta ao início. Aí reside a magia do eterno sorrir.

Monday, February 25, 2008

cantaremos

Sabes, por vezes escrevo coisas pelo simples prazer de escutar, dentro de mim, a harmonia da dança em que se envolvem, umas nas outras.
Sim, eu sei.
E sabes que, um dia, muito provavelmente, será tempo de escrever sobre coisas sérias e tristes, daquelas que fazem as pessoas ler as páginas cinzentas dos jornais.
Sim, provavelmente, é a vida.
Mas a vida de quem?
(silêncio)
A tua? A minha? A vida que temos ou a que escolhemos?
Se calhar... as duas?
Se calhar. Vou escrever. Queres cantar as palavras depois?
Cantaremos.
O que quisermos?
Até ao fim.

Saturday, February 16, 2008

dias maiores

houve dias maiores. Em que o sol nasceu mais cedo e tocou a terra batida dos caminhos onde cresceram flores exóticas nunca antes vistas. Em que o mar se envergonhou e recuou quilómetros, deixando à vista a areia molhada repleta de seres das profundezas. O céu estava parado, o vento não guiava as nuvens que se transmutavam de formas. houve quem dissesse que era o fim. Outros, poucos, acreditaram que era o início.

Friday, February 15, 2008

cansei (lenga-lenga) - vício da rima

cansei das manhãs,
do vão da escada,
das ruas de pedra,
da terra molhada,
da linha do horizonte,
de telescópios cansados,
de feridas abertas,
de olhos fechados,
de mapas escritos,
de caminhos desertos,
de sinais confusos,
de planos correctos,
das linhas da mão
do meu tornozelo
da cova no queixo,
do meu cotovelo,
das multidões apertadas,
da solidão absoluta,
dos gritos alucinados,
do silêncio à escuta,
da luz fluorescente,
do escuro sem vida,
do dia apagado,
da noite perdida,
do gigante feroz,
do anão revoltado,
da formiga contente,
do leão emproado,
da história sem fim,
do capítulo final,
da vida, da morte,
de tudo e tal.


é só vício de rima

O velho piano

O teclado era branco. Não, minto: as suas teclas estavam amareladas pelo tempo, como os sorrisos gastos dos velhos, mal preenchidos de dentes. Olhava-me com o ar descontraído de quem já não tem nada a provar, nada a mudar, de quem já escreveu a historia da sua vida, a fechou numa garrafa e atirou-a ao mar. os meus dedos eram demasiado pequenos, na altura. esticava-os com esforço para conseguir fazer os acordes perfeitos, doiam-me as articulações, metia-se-me a língua de fora como sempre o fazem as crianças quando querem conseguir coisas perfeitas.
um dia ele saiu, com toda a pompa e circunstância, pela janela do 12º andar. Estava velho, as cordas frouxas. Uma pequena quantidade de gente, que na altura me pareceu multidão, olhava-o de baixo, murmurava frases feitas, clichés. Pousei as pautas no chão e parti. Não sei se as levou o vento ou não.

as malhas das horas

às vezes as horas enrolam-se nos relógios. Tropeçam nos ponteiros e aí ficam, caídas, alguma meia rasgada "ai merda que já fiz uma malha!", a resmungar da sua má sorte.
a gente espreita, sem dar grande importância (já todos sabemos que se dermos muita importância à maioria das coisas elas ganham manias insuportáveis), vira um pouco os olhos para elas, morde o lábio de baixo à espera de ver mudar o dígito. Volta o rabugento para casa entra o novo, restabelecido, forte, decidido a alongar-se o máximo possível. Dá vontade de gritar : o tempo da educação física acabou, meu querido! Não te alongues que não vale a pena! Mas ficamos quietos, pelo sim pelo não, não và a hora levar a mal e deixar-se ficar, preguiçosa, só para chatear

Não fosse a noite cair

Andava em passos largos, não fosse a noite cair, de repente e sem aviso, e cobrir tudo de cinza. A gente nem sempre sabe quando está para chegar, empastando os nossos cabelos com nesgas de escuridão que escorrem para os olhos. Enfim, quase corria, demorando porém os pés nas pedras do chão. Tinha por elas um respeito imenso, quase religioso, calcando-as a medo, com as pontas dos pés. Dir-se-ia que saltitava, vista de trás. As índias velhas diriam que galopava, que procurava ser livre. Se lho dissessem ter-se-ia rido: "só procuro o caminho de casa, nada mais".
Ninguém em casa a esperava, na verdade. Só uma cadeira torta, uma perna mais curta, o forro rasgado. A cadeira da avó, coberta de pó (quanto tempo teria? 2 dias? 2 anos? 2 séculos?), um pó sagrado que vinha de quem lá se tinha sentado um dia. Talvez um historiador não resistisse a tocá-lo com as pontas dos dedos, levá-las à boca, beijá-lo, sentir na ponta da língua mil vidas passadas que se fundiam e confundiam ali, naquele pó. Mas era só a cadeira vazia, a cadeira da avó que era a do gato agora. A do gato surdo que ali afiava as unhas e se espantava sempre com o silêncio do tecido que se rasgava por debaixo das patas.

Tuesday, February 05, 2008

Quando foi?

Havia eu e ele. E o mundo, como pano de fundo, bandeira meia descolorida pelo sol, agastada pelas intempéries que, de vez em quando, insistem em suceder. Mas, enfim havíamos nós e a isso se resumiam os dias. Às horas que se precipitavam galopantes quando juntos, ou numa cadência de conta-gotas na ausência. Havia as estrelas, as do céu e as do mar, que espraivam os braços na areia molhada pela manhã ou se dispersavam na escuridão da noite, cada vez mais fortes, cada vez mais altas. Havia as estórias partilhadas, os segredinhos de algibeira contados a dois tempos, as palavras inúteis mas belas que se ofereciam como caixa de bombons quando não sobrava dinheiro depois do cinema. E, acima de tudo, havia nesse passado uma inocência assombrosa de menina, uma espécie de pacto com o mundo que prometia não destruir sonhos nem quebrar ilusões.
Até que um dia, sem saber bem quando (são datas que não se fixam em calendários), quebrou-se o pacto. Os olhos escureceram, alongaram-se os dias, curvaram-se os gestos. A isso obrigou o tempo, diriam os mais sábios, que aceitam o amanhã com paciência e sensatez. As meninas fazem-se mulheres, os sonhos fazem-se planos, as ilusões são esperanças e os amores são vulcões meios adormecidos. Um dia, podem despertar e destruir tudo em seu redor. Urge cumprir horários e regras, respeitar os códigos, dezenas, centenas de premissas irrevogáveis. O mundo já não é bandeira ao fundo, é palco principal cujo pano cai a qualquer momento. Quando cai, não resta senão levantá-lo de novo: doem os braços, afligem-se os dedos, partem-se unhas, às vezes. Ou deixamo-lo caído - nem sempre há tempo para o levantar - e partimos em digressão, à espera de um novo holofote mágico que nos encadeie e nos faça acreditar que ali, onde só há luz, está de facto a baleia do Pinóquio, que o engole num zumzum de mar.

Todas as meninas se fazem, mais dia menos dia, mulheres. Mas todas as mulheres guardam em si, mesmo que não o saibam, a menina que foram um dia.

Tuesday, January 15, 2008

Pouco normal

Existem algumas pessoas que, sem razão aparente, cruzam as nossas vidas. Aqueles com quem apanhamos o comboio ou por quem passamos na rua quase todos os dias. Anónimos muitas vezes mais familiares do que muitos conhecidos, reconhecemos-lhes os traços, aprendemos-lhes os nomes, descobrimos-lhes histórias por entres frases soltas. Como o Zé Mário. O rapaz de 29 anos, barba por fazer, que reclama da vida em voz alta quando vai no metro. Que fez o curso de informática e não lhe deram emprego: "os jovens precisam de emprego!", grita enquanto bate com a mão no vidro, revoltado. O Zé Mário tem uma doença, é óbvio, mas talvez isso o torne mais lúcido. Não engole a revolta, não cala a mágoa, não recalca o desespero. Ao contrário de nós, de lábios cerrados e testa franzida, o Zé Mário diz o que pensa, o que muitos de nós pensam, e faz rir alguns, mais jovens, e tremer outras, mais velhinhas.
"Mas que porcaria é esta?!", inquiria a plenos pulmões há uns poucos dias. E as velhinhas afastavam-se dele, chapéus-de-chuva na mão não fosse ele passar-se e saltar para cima delas. É que, infelizmente, hoje já não se diz o que se pensa. Hoje o normal é calar, aturar, deprimir, recalcar, envelhecer, amargurar. E é por ser tão fora do normal que o Zé Mário se tornou especial.

Monday, January 07, 2008

tudo isso eu serei

Todos esses sonhos que tenho guardados na gaveta, eu serei. Mesmo os de gaivota, conquistarei. Mesmo os de sereia, poderei. Na pérola onde as ostras têm o futuro, eu posso ver. Não tenho medo porque é assim. Quem sonha sempre pode sempre. Fim.

Agonia

Do tudo e do nada. Agonia da primeira entrevista, do primeiro contacto, das primeiras palavras. Agonia da hora de entrar e da hora de sair. Agonia que se prolonga pelo dia e que se vai esbatendo com o passar dar horas. Agonia de chegar sempre atrasada, que morre quando dizem que os jornalistas são, por norma, pessoas atrasadas (horariamente, como fiz questão de frisar cá em casa, justificando uma vida inteira de atrasos. Justificação essa recebida com a mesma incredulidade que provocaram as minhas descobertas sobre ser uma criança índigo - com problemas em cumprir horários - e ter o hemisfério esquerdo do cérebro mais desenvolvido - algo que também ajuda aos atrasos).
Passa a agonia e o gosto vai saltitando por entre os momentos de hesitação e gestos que se tornam hábitos. Dar o nome à entrada, lutar contra o rato (do pc), recusar os 30 000 panfletos que me tentam entregar pelo caminho, evitar a piscina que se cria ali, mesmo ao pé da minha secretária. Tudo isso vai se inscrevendo na pele como micro-tatuagem que não se vê.
- Achas que tenho ar de jornalista?
Ao que parece, os jornalistas não têm "ar". Têm caras e bocas como toda a gente e cabelos que se despenteiam e rímel que escorre quando chove e chapéus de chuva que reviram ao vento. Dizem eles, que não percebem nada disto.

Friday, January 04, 2008

desejos

Talvez dia 5 seja algo tarde para revelar os meus desejos para 2008. Ou talvez não. Acredito que, enquanto houver vida, nunca é tarde demais. Quero fugir a clichés e evitar os desejos de sempre. Esse é um dos meus desejos. Quero ser feliz com o que tenho, sempre com a ambição de ir mais além. Quero saber desfrutar de cada momento, por irrisório que pareça, como sendo único, pois é isso, que de facto, cada momento é. Quero que a minha filha seja uma criança de verdade, daquelas que sonham e conseguem construir castelos que voam, e fadas que respiram debaixo de água e mundos onde as pessoas comem algodão doce de manhã à noite, porque essa é a base da felicidade. Quero que as pessoas importantes para mim se sintam especiais, únicas e verdadeiramente essenciais na minha vida. Quero conseguir sorrir depois de um dia desgraçado e gritar: SOBREVIVI quando chegar a casa. Quero acabar a licenciatura e partir à descoberta da vida fora das paredes de um auditório. Quero experimentar o mundo, provar coisas novas, dançar a rumba, a salsa, o flamenco e rir até me doer a barriga.
No fundo, no fundo, quero ser feliz. Não é o que queremos todos?

Thursday, January 03, 2008

Dominar o mundo

Desde as 00h de 2008 que não conseguia parar de pensar em entrar com o pé direito. Infelizmente, também não conseguia para de me esquecer disso, resultando desta equação uma frustração incrível e suspeitas de Alzheimer prematuro. Hoje convenci-me de que, finalmentre, entraria com o pé direito. E cruzando a porta da redacção onde me estreei hoje como estagiária, dei um pulinho apoiada no pé direito, fazendo uma entrada que podia ter corrido mal caso o chão estivesse molhado, mas que me deu confiança para o ano inteiro. Entre beijinhos e apresentações, lá me fui apercebendo de como as coisas funcionam. Apercebi-me de que, se não levar um rato novo para a redacção muito em breve, vou acabar hospitalizada numa ala psiquiátrica. Apercebi-me, à medida que ia ouvindo conversas, que isto de ser jornalista de viagens tem os seus benefícios tais como massagens, noites e refeições totalmente à borlix. Também me apercebi, infelizmente, que os estagiários não devem desfrutar de todos esses benefícios, mas, enfim, quantos estagiários escrevem notícias logo no primeiro dia? Poucos, asseguro-vos. A maioria dos que conheci corrigia os textos dos outros. Por isso, estou contente. Como disse a uma amiga, saí da redacção com a sensação: "Ah! Sou jornalista e vou dominar o mundo!". Uma sensação que neste momento se assemelha a uma dor de cabeça pelas horas prolongadas em frente a um ecrã saído da Idade Média. Mas enfim, amanhã lá volto eu. E de rato novo na mala.