Saturday, March 12, 2011

Tira o rabinho do sofá

Esquecemo-nos que a democracia é de todos. Que o Estado, em última instância, somos todos. Que um país não são os senhores que estão sentados na assembleia.
Enfim, é fácil queixarmo-nos quando temos o rabinho bem assente no sofá. É confortável, é conversa de café, de jantar, de fazer horas antes de sair para beber uns copos. É fácil dizer "está tudo mal" seguido de "temos mesmo de sair do país".
Mas este país, que aprendemos a olhar com uma desilusão indisfarçável, é o nosso país. É a nossa democracia. É nosso. E podemos mudá-lo. A sério que sim.
Mesmo que o protesto de hoje não dê em nada. Mesmo que, ao fim da noite, tudo se mantenha igual no papel. Há qualquer coisa que muda. Nós mudamos. Nós dizemos "não". Dizemos "eu não quero ter de abandonar o meu país". Pedimos mais, exigimos mais - não do sofá. Exigimos que nos ouçam. Exigimos que nos vejam, que nos reconheçam como pessoas em vez de números. Eles não querem saber? Mas quem são "eles"? Isto somos nós! Este país somos nós. E só quando compreendermos isto é que podemos compreender o poder que detemos.
Vão para a praia, como dizem alguns. Mantenham o rabinho no sofá que é bonito e confortável e não têm de apanhar o metro que é chato a um sábado de sol. Bebam as vossas cervejas na esplanada enquanto se queixam dos ordenados miseráveis, do desemprego, da injustiça na distribuição das contribuições ao estado e dos gastos ridículos das contas públicas onde, em vez de se investir onde é preciso, se compram toneladas de flores e motoristas e frotas automóveis e jantaradas. Ah, sim, isso é que é bonito.
Eu, lamento, cansei-me do sofá. Cansei-me da esplanada. Cansei-me do rabo sentado, do dedo apontado a nada, das soluções atiradas para a mesa de café. Cansei-me dos que se queixam e não fazem nada. Dos que se lamuriam e nunca puseram os pés numa mesa de voto. Das filosofias atravessadas para justificar a inércia.
"Ah, não muda nada." Sair à rua é, em si, já uma mudança. A mudança numa geração comodista. Sim, somos uns comodistas. Somos uns privilegiados, é verdade. Tivemos carros comprados pelos papás e cursos superiores pagos pelos papás e roupas de marca pagas pelos papás. E então? É por isso que não nos podemos queixar? Isto significa que teremos de ficar eternamente dependentes dos nossos pais e da sua boa vontade? E aqueles cujos pais estão desempregados, de baixa médica, pobres, pobres, pobres? E aqueles que tiveram de vender as casas e os carros para comer? Não se iludam - isto existe. A minha geração pode ser uma geração privilegiada em muita coisa - mas é também uma geração de sonhos desfeitos. Uma geração a quem disseram "podes ser o que quiseres" e que, chegada a altura, depois de cursos superiores, pós-graduações, mestrados, anos e anos e anos de estudo e formação, se deparou com um mercado preparado para a dilacerar. Estágios sem vencimento, ajudas de custos de 150 euros, recibos verdes, uma incerteza constante que nos impede de andar para a frente. E o problema maior não reside na falta de dinheiro. O problema está na forma como é distribuído. Porque o estagiário que recebe 150 euros - e já é "bem bom" quando recebe alguma coisa - convive com o director que recebe 10 ou 15 mil euros por mês, se for preciso. E quando é preciso fazer cortes, onde é que se vai? É ao ordenado obsceno do director ou aos 600 ou 700 euros do trabalhador?
Não se enganem, senhores. Se nós não andarmos para a frente, o país não anda para a frente. Nós somos este país. Somos nós que, quando estiverem velhos e cansados, vos pagaremos as reformas. E com o quê? Que tipo de geração estão a criar? Que tipo de valores estão a incutir ao país? É este egoísmo brutal, esta exploração selvagem? Se não cuidam de nós agora, porque raio haveremos de cuidar de vocês no futuro? Pensem nisso quando estiverem a ver-nos na TV, a dizer "estes putos mimados que nem foram à guerra" (este comentário ridículo não me sai da cabeça). Pensem em que homens estão a construir e se são estes homens que querem a governar-vos. Nem que seja por isso, pensem. Quando pedimos uma mudança para esta geração, o que pedimos é, na verdade, uma mudança para o país. Para nós todos, incluindo os que ainda nem nasceram. Mais que tudo, eu peço é justiça. Sou uma idealista? Que seja. Mas as soluções fazem-se de ideais.
E ideais não se concretizam nos sofás.