Saturday, August 25, 2007

Catarse

A minha purificação. Caminhos tortuosos. Essências banhadas de experiências. Inscrevem-se nomes, datas, locais. Há marcas de dias tempestuosos, de vontades vergadas pela força do vento, de arranhões nas verdades inabaláveis.
Lavam-se as certezas adquiridas, e a sua cor tinge as pedras calcadas, como um tecido de má qualidade com que as certezas absolutas se cobrem sempre. Despertam vozes na cidade, gritos de incerto desespero com que assistem àquele que pode ser o seu último pôr-do-sol. Nada é certo, tudo é vago. Nada tenho, quem sou?
Percorrem-se estradas infinitas, poeira que se levanta, incansável, e tolda a vista.
"Tu és só o reflexo de uma miragem alucinada", diz um velho com corpo de árvore, cujas barbas chegam ao solo. "Tu vagueias, nunca chegas. Tu procuras, nunca encontras. Tu desejas, nunca possuis. Tu existes e por isso estás condenada à tua existência disforme, adornada de belas palavras e cores brilhantes, que nunca poderás compreender."

Friday, August 24, 2007

2 em 1!!

Tenho duas mãos. Dois pés. Dois olhos. Duas orelhas. Dois pulmões. Dois rins.
Sou um 2 em 1 melhor que o da Garnier!!!
Ah, e tenho uma boca que fala por duas.

Thursday, August 23, 2007

Vamos fazer a dança do sol?


Houve uma altura, depois de ter lido um livrinho qualquer do Tio Patinhas, em que os sobrinhos dos bonézinhos coloridos faziam a dança da chuva com imenso sucesso, em que acreditei piamente na possibilidade de fazer chover graças aos meus passos.

Na infância, é fácil acreditar. Dançávamos em roda, mãos a bater na boca como víamos os índios fazer, gritávamos um AIUAIE e umas quantas palavrinhas e lá ficávamos, crentes e inocentes, à espera das primeiras gotinhas de chuva.

Se alguma vez choveu, não me lembro. Se alguma gota caiu, miraculosamente, nas nossas cabecinhas, enquanto dançávamos, feitas malucas, já foi, imperdoavelmente, esquecida.

Mas neste Agosto triste, em que tão depressa faz sol como vem um vento demoníaco, lembrei-me dessas danças ingénuas em torno de fogueiras inexistentes. E pensei como era bom fazer a dança do sol. Não só do sol, mas do calor, do puro Verão, estação mágica e prometida o ano inteiro! Tudo o que precisava era de gente crente, gente com fé, com aquela fé inocente neles mesmos, que acreditam que podem mudar o mundo. Gente que não se importa de levantar a machadinha e bater na boca, soltar uns UHUHs e voltar uns aninhos atrás, em nome da magia. E acredito que, mesmo que não viesse o calor, o sol, mesmo que nada mudasse à nossa volta, mudávamos nós, e o Verão era outra vez a estação prometida ;)

Monday, August 20, 2007

Adoravel, vertiginosa e encantadoramente dolorosos saltos altos

Saltos altos. Todas as mulheres têm de ter pelo menos um par de saltos. Sejam elas altas ou baixas, os saltos altos marcam a diferença não só pelos centímetros a mais mas também pela forma como embelezam os nossos pés e pernas.
Os saltos são, por excelência, o expoente máximo do feminino. Na vida real e na arte, lá estão eles, numa montra, a piscar-nos o olho, sedutores e vertiginosamente altos. Agulhas, plataformas, cunhas... é salto e é bom.
Lembram-se de como as protagonistas de "Sexo e a Cidade" suspiravam pelos seus JimmyChoos? Sapatos, altos, altíssimos de preferência, faziam as delícias das amigas de Nova Iorque e espicaçavam-nos a vontade de comprar uns.
Muitas mulheres têm, como eu, uma relação de amor-ódio com os saltos. Adoro vê-los nos pés, mas detesto usá-los e suspiro de alívio de cada vez que os descalço.
No Inverno, os saltos são palavra estranha para mim. São as poças de água, a lama, o corre-corre para evitar uma chuvada. Saltos, no Inverno, só mesmo plataformas, confortáveis e invisíveis debaixo das calças compridas.
Mas no Verão, lá estão, os meus saltos, lindos e polidos, a fazer sobressair o pé castanhinho do sol. E aí, é difícil resistir. Eles num canto, as havaianas no outro, travam combates sangrentos pela minha atenção. Geralmente, ganham as havaianas (suponho que os saltos se desequilibrem mais facilmente) mas, principalmente à noite, os saltos dão um ar de sua graça e saltam-me para os pés, ficando eu embevecida, a olhar para os saltinhos de senhorinha nos meus pés de miúda (35/36...).
Resumindo, os saltos não são sapatos. São muito mais que isso. Como dizia a Helen Hunt em "Bobby", depois de comprar uns sapatos de salto alto pretos "It's not about how they feel, but how they look" e eles pareciam, de facto, fantásticos. Saltos são tortura até ao momento em que se cria calo. Felizmente, como não os uso muito, continuam a ser uma tortura para mim. Antes uma noite de sofrimento que uns calos nos pés. É que os calos são só um dos problemas dos fantásticos saltos: dores na coluna, problemas de coluna quando formos mais velhas, calos, joanetes e sei lá mais o quê. Argumentos fracos hoje em dia, em que as pessoas pagam para ser retalhadas em nome da beleza. O Dr House, num espisódio, recusou uma assistente por ela usar saltos altos "Uma mulher que prefere trabalhar de saltos a andar confortável é uma mulher insegura"(algo assim). Fiquei tão orgulhosa por nunca levar saltos para a faculdade!
Sou só uma mulher segura que, de vez em quando, gosta de ver o mundo do topo dos seus saltos altos.

Sunday, August 19, 2007

Oh ser ou não ser, eis a questão!

Tem piada, mas passadas umas horas já não me lembro da maioria das caras daqueles que estiveram sentados ao meu lado. Podia ser algum sintoma de problema grave, mas chama-se só falta de atenção. Se há pessoas que se me gravam na memória outras, enfim, lá vão, tão efémeras na minha vida como o almoço de ontem, com a diferença que não me adicionam calorias (e ainda bem!).
O que torna, então, algumas pessoas permanentes e outras, pura e simplesmente, descartáveis, na minha memória? Apresentem-se dois sujeitos, A e B, durante os mesmos 5 minutos, numa mesma situação. O que tornará A mais ou menos recordável que B?
1. O aspecto físico. Eu sou adepta ferrenha da beleza interior, mas os olhos também vêem. E neste ponto, conta não só a beleza mas também a originalidade. Meninas com franjinhas à moda, óculos à moda, brincos à moda e colares à moda parecem todas mascaradas de igual e torna-se quase impossível decorar as caras delas. Por outro lado, um maluquinho com aspecto de Einstein não me passará despercebido!
2. De A a Z. Alguém que fale será, é natural, mais facilmente reconhecível que alguém que se limite a dizer "passas-me o cinzeiro?". Se bem que algumas pessoas sabem criar uma aura misteriosa à volta delas, com o seu silêncio e olhar inquieto, que nos faz decorar a cara delas para a descrevermos à polícia caso rebente alguma bomba perto.

A verdade é que ter uma memória selectiva, como todos temos, pode ditar situações que preferíamos evitar. Como quando conversamos durante meia hora com alguém a quem só podemos tratar por "tu", "miúda/miúdo" e outros nomes estrategicamente usados nestas situações em que o nosso interlocutor desapareceu da nossa memória.
Um plano bom mesmo, mas mesmo, era tirar fotografias com o telemóvel (bem discreto) às pessoas que se vão sentando na minha mesa, e rotulá-las com o nome e árvore amizadeológica (uma árvore que estabelecia os nossos laços, através das pessoas que conhecíamos, para termos sempre um tema de conversa que seria, claro está, o amigo em comum).
É chato não saber o nome das pessoas. É pior ainda não lhes reconhecer a cara. Mas mau mau é não saberes se alguém te conhece mesmo ou se não passa de um psicopata e ficares ali a sorrir, com cara de parva, enquanto lhe chamas "tu".
Por isso, se me virem estranhamente inclinada na vossa direcção, com o telemóvel na mão, sorriam :)

Friday, August 10, 2007

Isn't that ironic sir?

Dormi. Às 5h da manhã, finalmente, o reino dos sonhos era meu. Depois de me virar na cama, pernas para o ar, barriga para baixo, cara esborrachada na almofada, estava, finalmente, a dormir.
Acordo com o telemóvel a tocar ainda não são 10 horas. Sabem como é quando o telemóvel toca de manhã? O toque é sempre mais irritante, mais estrindente, parece feito de propósito para nos garantir que o dia não vai correr bem.
Feitas as contas, não prevejo insónias para hoje. Até porque estarei no meu cantinho sagrado, no meio do silêncio e do escuro que ninguém pode perturbar. As malas ainda não estão feitas e ouço reclamações no andar de baixo.
Deus, o destino, o acaso, sei lá, deve ser comediante. Deve ser um gajo com aquele humor muito british, carregado de ironias. Porque quando decides deitar fora o teu "kispo", ele decide fazer chover... (e aqui fica uma bela metáfora para quem a perceber).

Ironic (Alanis Morissette)
"An old man turned ninety-eight
He won the lottery and died the next day
It's a black fly in your Chardonnay
It's a death row pardon two minutes too late
Isn't it ironic ... don't you think
Chorus

It's like rain on your wedding day
It's a free ride when you've already paid
It's the good advice that you just didn't take
Who would've thought ... it figures

Mr. Play It Safe was afraid to fly
He packed his suitcase and kissed his kids good-bye
He waited his whole damn life to take that flight
And as the plane crashed down he thought
'Well isn't this nice...'
And isn't it ironic ... don't you think
Repeat Chorus


Well life has a funny way of sneaking up on you
When you think everything's okay and everything's going right
And life has a funny way of helping you out when
You think everything's gone wrong and everything blows up
In your face

It's a traffic jam when you're already late
It's a no-smoking sign on your cigarette break
It's like ten thousand spoons when all you need is a knife
It's meeting the man of my dreams
And then meeting his beautiful wife
And isn't it ironic... don't you think
A little too ironic... and yeah I really do think...
Repeat Chorus


Life has a funny way of sneaking up on you
Life has a funny, funny way of helping you out
Helping you out "

"A vida tem uma forma estranha de te ajudar"... Eu acredito que sim ;)

PS- Já toda a gente sabe que eu gosto mesmo de me molhar na chuva.

Insónia

Há noites assim. Em que o cérebro se recusa a abrandar e o corpo não quer paz. Noites em que temos de pensar. Em que se não ficarmos acordados nada vai ficar bem. Temos que solucionar o problema da probreza no mundo, temos que saber as fórmulas da relação perfeita, temos que nos lembrar do que dissemos num dia qualquer, há anos atrás.
Há as noites em que o passado bate à porta e se demora por aí. Hesitamos mas não dormimos. Formigueiro nos neurónios, uma comichão na alma. O futuro balança no topo de uma corda como uma artista de circo que se tenta equilibrar (e "ai se ele cai... vai-se partir" :P o sono não vem mas a noite vai longa e o cérebro vai acumulando funções que o tornam menos coerente).
Se escrever coisas sem nexo, o mundo perdoa-me. Sou só uma miúda com insónias. As pessoas com insónias não têm nexo. As pessoas sem nexo com insónias são disléxicas (hummmmmm....).
E esta miúda com insónias quer comprar um barco. Decidi este Verão que quero um barco. Não quero um iate nem nada disso. Quero só um barquinho com motor para poder perder-me por aí. Na verdade, o que eu quero mesmo é chegar às praias desertas. Pronto, confessei. E depois monto uma cabana deserta numa praia deserta e levo para lá uns desertores de vez em quando, daqueles que gostam mesmo de desertar e de estar em sítios desertos. Viajamos no meu barco mais repleto e não tão deserto porque com as minhas economias não haverá muito espaço para passageiros. Dois, no máximo três, segundo as minhas contas, serão uma multidão. Mas somos desertores e por isso tudo bem. Só queremos um espaço deserto nem que para isso tenhamos de ir amontoados.
A minha vida na praia deserta seria feita à base de estórias à volta da fogueira. O que é complicado quando nunca se acendeu uma fogueira (pelo menos, não uma a sério, daquelas que os "escutas" fazem, todas giras. Será que eles as conseguem acender com duas pedras? Nota: conhecer algum escuteiro/escuteira e perguntar-lhe como é que se faz o truque.)
Depois das estórias íamos assar o peixe. O que também pode revelar-se um problema quando não se é propriamente um ser paciente, sendo que a pesca requer, acreditem que eu sei, MUITA paciência. E é preciso alguém arrancar as tripas do peixe, a não ser que um dos desertores tenha experiência no ramo da peixaria o que me facilitaria imenso a coisa. (nota 2: convencer um potencial desertor a passar uns tempos numa peixaria).
O melhor da coisa é que comíamos em folhas, que serviam de pratos, e assim nunca havia louça para lavar!
Bem, apresentando o pacote de férias, aceitam-se inscrições para desertores. Enviem o vosso C.V. completo, tendo em conta que se valoriza experiência na área da pirotecnia e o do peixe.

PS - acabo de me lembrar que este ano os escuteiros foram proibidos de acender fogueiras. O que é um acampamento sem fogueira pahhh? Agora a malta vai acampar e leva a lamparina de óleo? É uma vergonha, eu tou com os escutas.
PPS - compreendo que isso das fogueiras seja uma medida aparentemente boa para combater os fogos florestais. Mas os escuteiros são daqueles que até saltam em cima das brasas descalços, se for preciso, para garantir que não vai arder nada.
PPPS- dito isto, quero que saibam que nunca vi nenhum escuteiro saltar em cima de brasas e portanto não tentem fazer isso em casa. Deve ser preciso muito calo e toda a gente sabe que isso tá fora de moda. É isso e joanetes.
PPPPS - joanetes. Que horror de nome. Até parece que têm alguma coisa a ver com as "joanas". Eu conheço uma Joana. Mora cá em casa. No quarto ao lado do meu. É uma fixe e, garanto, não tem joanetes.
PPPPPS- e a Joana nem tem joaninhas. Eu se me chamasse Joana tinha uma colónia de joaninhas em casa. Chamando-me Laura vou-me dedicar ao cultivo de loureiros. Ou talvez não.
PPPPPPS- é incrível mas ainda não tenho sono. Os loureiros são óptimos para a comida mas ATENÇÃO: pelo que me chegou aos ouvidos o seu caule é cancerígeno e por isso não se pode abusar. Pelo sim, pelo não, e porque não gosto de mentir, vou confirmar no Google.
PPPPPPPS- não encontrei qualquer referência ao loureiro como sendo cancerígeno. Ou é falso ou o Google patrocina alguma marca de loureiros... No entanto encontrei muito boa gente com o apelido "Loureiro". Não conheço nenhum(a) Loureiro. Chato. Quem me passou a informação sobre o loureiro foi uma boa amiga, cujo segredo recebeu da mãe que provavelmente o terá aprendido com a avó. Se calhar é uma coisa "underground". Caso se venha a confirmar, depois não se esqueçam de me remeter as vossas contribuições. Afinal, quem avisa meu amigo é. Ou teu amigo é? É amigo do mundo e pronto!
PPPPPPPPS- bolas já levo 8 Ps. Já chega. A estas horas quem tiver chegado até aqui já conhece o segredo do loureiro e viu o seu esforço recompensado. Qualquer erro ou dificuldade de expressão deverá ser perdoada pelos olhos que se entortam perante o ecrã e as mãos mais hesitantes. E já não tenho unhas grandes. É diferente teclar assim. Parti 3 a jogar volei, e mandei as outras à vida. Uma pessoa não pode deixar de viver a vida por causa de umas unhas não acham? Assim, as minhas mãos ainda parecem mais pequenas. Mas MESMO pequenas. Tipo, mãos de anão da Branca de Neve. Ai, eu sou o Feliz. Ou Contente. Sou aquele que se ri de tudo.



Aposto que pensavam que vinha aí outro PS. AAHAHAH. Não: sou só eu. Porque o PS não sou eu... Eu nem sou dada a política.
E neste momento perguntam-se as únicas duas pessoas que chegaram a este ponto: "mas a miúda engoliu pilhas duracel?" e eu fico com um ar suspeito tipo: mas vocês andam a fazer algum tipo de publicidade à duracel? Eu só compro pilhas no chinês. Ou no senhor asiático. Porque aprendi hoje no cinema, num anúncio que passa antes do filme, que não se pode dizer "chinoca" nem "preto" nem "branco" nem "monhé" nem "brasuca" nem "de leste"................. Como se o racismo fosse isso.... Olhem, eu sou um bocadinho para a cor do leite com café, por causa do bronze. Sou B..PIIIIIIII (palavra proibida) mas não posso dizer porque senão sou racista. E tenho amigos mais coloridos e escurinhos, eles são P...PIIIIIIIII (palavra proibida), quer dizer são "de cor" porque mais ninguém tem cor, o resto é tudo gente transparente.... E quando eu for jantar ao restaurante da senhora asiática se estiver lá algum senhor daqueles países que se juntaram à União Europeia mais tarde tenho de lhe perguntar donde é que ele veio porque aparentemente eles não são "De L....PIIIIIII" (palavra proibida), isso é só para nos confundir as direcções.
Ah e o senhor que nos vendeu as flores no jantar de terça feira era indiano. Essa foi fácil.

Em vez de se preocuparem com as palavras preocupem-se mais com as condições de vida e com a integração das pessoas. Promovam uma maior circulação de informação sobre as diferentes culturas para que todos percebam que as diferenças não são assim tão grandes. Legalizem os imigrantes em vez de os chularem. Expliquem-lhes os direitos deles para que se possam defender. Mostrem ao mundo que as diferenças enriquecem e que a partilha de experiências nos torna maiores.
Isso sim, é importante. Por mim, chamem-me Bran...PIIIIIIII à vontade!

Para finalizar deixo aqui um poema muito bonito sobre Emigrantes e Imigrantes e sobre Imersão e Emersão. É que a estas horas convém ter uma ajudinha:

Emigra o bom português
Que vai viver em Paris;
Porém imigra o francês
Que vem prò nosso País.

Ninguém terá mais engulhos
Com esta regra ratona:
Imerge quem dá mergulhos
Emerge quem vem à tona.

Nunca mais ninguém duvida
Ante esta regra engraçada:
Com um E… temos saída,
Com um I… temos entrada.
I. Aguilar





(A da regra ratona tem piada! Têm de admitir...)

Caixinha de surpresas

Detesto o previsível e perco-me nas improbabilidades. A camisola amarela com as calças verdes. Faz-me rir. Abre a mão e fecha os olhos.
Não me digas "bom dia" quando me vires, pela manhã. Faz-me um desenho e destrói-o em pedaços de papel, para que o possa montar. Está bem, eu fecho os olhos. Mas tenho medo de abrir a mão. Juras que não é nada de mal?
Conduz do lado errado uma vez na vida, entra vestido no mar, come um gelado debaixo do guarda-chuva. Não posso abrir a mão, estou a agarrar o guarda-chuva e preciso de equilíbrio. Mas fecho os olhos se me avisares dos degraus.
Apanha o comboio sem reparares no destino, escolhe um filme sem conheceres o argumento, não me dês rosas, dá-me girassóis! E eu abro a mão e fecho os olhos, enquanto te ajudo a roubar uma flor num jardim.
E, se assim for, eu hei-de ser sempre aquela pessoa que te diz baixinho ao ouvido "Abre a mão e fecha os olhos".

Gatafunhos

Quando criamos um blog, escrevemos para quem? Escrevo para mim ou para os possíveis visitantes deste espacinho que não existe senão num mundo sem forma?
Qual é o objectivo de um blog? Divulgar ensinamentos, moralismos, lições? Dizermos "Sim, eu existo, olhem para mim!"?
Escrevemos. Vamos debitando linhas impecavelmente traçadas pelo digital. Como eu disse um dia, de que me valeram os esforços no sentido de melhorar a minha caligrafia? De que me valeram os sermões da professora Dulce? "Tens de fazer os teus trabalhos mais apresentáveis. Escreves tudo esborratado, tudo sujo e riscado. Se calhar, é melhor comprares um caderno de linhas duplas para treinares uma letra mais bonitinha."
Suei. Tracei linhas sem fim, testei letras redondas, compridas, à máquina, letras curcundas e elegantes. Finalmente, uma caligrafia impecável, legível. E agora?
Gostava de encontrar a professora Dulce e mostrar-lhe a minha caligrafia perfeita. Calculada, treinada, melhorada com os anos.
Mas na pressa, ela não tem tempo de se mascarar. Voltam os gatafunhos, a letra arrastada, os altos e baixos de uma caneta demasiado lenta para o que quero escrever.
Eu sou assim, como a minha caligrafia. Com os anos fui tentando aperfeiçoar-me, com esforço. Fui tentando ser mais calma, mais ponderada, mais compreensível para os outros. Mas, no fundo, não passo da letra arrastada, apressada e ilegível duma mão que desenha estrelas no canto das páginas. E isso não se esconde.

"Mesmo os dias maus são dias"

São as circunstâncias da vida que nos fazem crescer. É o girar do mundo que nos faz pular da cadeira e saltar para a vida. São as, por aqui conhecidas como, "chapadinhas de realidade" que nos fazem erguer os olhos mais acima e ver para além da superfície pegajosa das nuvens.
É assim e sabe bem.
Sabe bem tirar a crosta duma ferida que sarou. É vício. É o sentimento de vitória perante a dor que já não dói. Apagou-se.
E o mundo girou outra vez debaixo dos meus pés e eu não o senti. Mas ele reflecte-se em cada expressão nova que ganho, nalguma ruga que um dia surgirá, numa borbulha que odiamos pela manhã, nos casacos que não podemos usar porque é Verão. E é bom saber que ele vai continuar a girar mesmo quando eu não tiver força para rodar a grande alavanca. Mesmo assim, ele vai continuar o seu percurso eliptíco, sem se deixar dormir mais cinco minutos, rabugento, debaixo dos lençóis.
"Mesmo os dias maus são dias". Um dia escrevi esta frase num papel qualquer amarrotado no fundo da carteira. Prendi-o num carro e deixei-o ficar lá.
Mesmo os dias maus são dias. E só os podemos viver porque estamos vivos. Tem lógica, não tem? O mau fica algo cinzento, quando pensamos que um dia não vamos poder ter dias maus porque já não vão haver dias. E dias e dias e dias que se repetem, uns atrás dos outros, até ao dia que já não chega.
Com esta lição, não custa tanto. Se tiver de chorar, que seja de estores abertos para poder ver a rua mexer-se, lá em baixo, e o mundo girar, outra vez.

Tuesday, August 07, 2007

Adiarei o meu regresso ainda que em mentira...

E estou de regresso.
Pelas minhas paragens foram ficando pedaços de mim e roubei-lhes as imagens que poderei guardar para sempre comigo (ou até que o Alzheimer as leve....).
E quero partir. Quero voltar à estrada, às estações de serviço, às lutas pelos lugares à janela, às discussões pela música no rádio. Sim, quero voltar ao calor insuportável e ao desconforto nos bancos de trás. Quero voltar à linha do comboio que não acabava nunca e às sandes embaladas em papel celofane. Quero voltar às ovelhinhas que criam trânsito e aos passeios de barco pelo rio com mais ou menos energia.
Estas foram umas das melhores férias de sempre. Os destinos? Os dos costume. Então porque é que desta vez foi tão especial? Será que os lugares mudaram, ou mudei eu? Será que o regresso a casa já não é tão doce? Não sei. Mas quem me dera partir hoje, agora, já, e voltar aos caminhos do ontem que ainda se desenham na minha memória.