Talvez as pazes mais difíceis sejam aquelas que fazemos connosco. Sim, talvez seja dentro de nós que se situa o reino onde é mais difícil alcançar a paz. Porque sabemos tudo, vemos tudo, somos tudo. Porque ao errarmos nos magoamos a nós, porque ao magoarmo-nos só nos podemos odiar a nós, e odiando-nos não aceitamos uma trégua com o nosso eu.
Cá dentro, somos um mundo em conflito. Um mundo que possui as armas mais poderosas de sempre, com capacidade de nos destruir por dentro. Haverá pior forma de destruição, que o corpo vazio, condenado à existência aparente, à dor da ausência, à ausência de dor?
O difícil não é perdoar os outros, é perdoarmo-nos. Nós, fantoches de prazer, sempre empenhados em fazer com que os outros nos aprovem, com que os outros nos valorizem. Demasiado empenhados para que nos lembremos de nos aprovarmos primeiro. Personalidades difusas, perdidas, vagueantes e inconscientes de si.
Para fazer a paz comigo, corto os fios que me conduzem. Solto-me do emaranhado de risos e sorrisos, palavras simpáticas e amáveis. Descoso a língua que trago presa, rasgo os pedaços de tecido colorido e brilhante, a flanela confortável, a seda macia.
Deixo esse palco de luzes e música, os espectadores que não sabem que todos eles se encontram, como eu, presos aos fios, os gestos medidos, as palavras planeadas.
Faço a paz comigo. Faço a paz com o mundo. E perdoo os fantoches que sem o saberem encenam mais um acto no palco da vida e me arranham com os seus fios que balançam ininterruptos.
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