Thursday, May 10, 2007

Irresponsabilidade boémia

Como um desabafo, a minha época parece-me errada. A época do cinzento, da correria, da falta de tudo: de tempo, de espaço, de atenção, de carinho.
Sei que não estou sozinha: talvez seja um mal da minha geração, este sentimento de não pertencer ao nosso tempo, de nostalgia por uma época que não vivemos nem conhecemos senão a partir dos livros e filmes, e da boca daqueles que estiveram mais perto dela. Há quem deseje os loucos anos 20, os rebeldes 60, o espírito dos 80. Sonhamos com brindes durante um concerto de jazz nos clubes de New Orleans, com vestidos até aos pés e pó de arroz debaixo dos leques do século XVIII, com as calças à boca de sino e as flores no cabelo enquanto gritamos palavras de revolução.
Estava a conduzir o meu carro do século XX (sim, ele ainda é do século passado, mas, "porém, ele move-se!") enquanto ouvia uma entrevista numa estação de rádio qualquer. Um fotógrafo dizia que sempre fora vadio. Uma palavra com uma conotação sempre tão negativa, ganhava uma outra força quando dita pela sua voz. Vida vadia, essa vida um pouco fora das normas sociais, sem horários nem compromissos habituais, em que partia com a câmara para onde fosse para fotografar o que quisesse. O sonho de uma irresponsabilidade boémia. E o escritor, debruçado sobre o papel sob a luz ténue de uma qualquer lâmpada, o cigarro pendente dos lábios, os óculos a descairem sobre a ponta do nariz. As frases a surgirem e a desaparecerem novamente sob uma chuva de riscos numa eterna procura da perfeição. O escritor que se disfarça com os nomes e os rostos das suas personagens e idealiza para elas um rumo, um mundo e um ser. Tão perto de ser Deus, força suprema, destino, sei lá, criando e destruindo vidas, gerindo as emoções e acções de pessoas de tinta e papel.
Quem me dera essa vida vadia, de sonhos e origamis...

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